União Europeia sequer considera financiamento de US$ 1 trilhão na COP29
Czar do clima da Alemanha afirmou à CNN Brasil que meta considerada pelos países ricos é ir além dos atuais US$ 100 bilhões em ajuda para as nações menos desenvolvidas combaterem as mudanças climáticas
A enviada especial para o clima do governo da Alemanha, Jennifer Morgan, disse à CNN Brasil que a União Europeia e os países mais desenvolvidos do mundo não estão considerando a possibilidade de oferecer cerca de US$ 1,3 trilhão em financiamentos para o combate às mudanças climáticas durante as negociações da COP29.
A questão do financiamento é crucial para o sucesso da cúpula mundial do clima, que acontece em Baku, no Azerbaijão. Mas existe uma forte queda de braço entre os países desenvolvidos e as nações mais pobres sobre os valores para as ações climáticas.
Estudos apresentados nas negociações da COP pelos países menos desenvolvidos e mais vulneráveis mostram que eles precisam de pelo menos US$ 1,3 trilhão por ano para o combate às mudanças climáticas até 2030.
A julgar pelas declarações de Morgan, essa meta não deve ser alcançada.
“Há alguns números diferentes na mesa. Um é quanto financiamento ou investimento é necessário destinar para os países em desenvolvimento nos próximos anos. E há especialistas que falam em números como US$ 1 trilhão, ou até US$ 1.3 trilhão para os países em desenvolvimento, excluindo a China. Para a União Europeia, esse número é diferente. Estamos vendo como ir além dos US$ 100 bilhões”, disse ela, durante uma entrevista exclusiva realizada na COP29.
Morgan, no entanto, está otimista com a possibilidade de avanços na COP, inclusive na questão do financiamento.
Outra queda de braço diz respeito a quem vai pagar a conta das ações climáticas, independente do valor que venha a ser acordado.
O mundo desenvolvido quer que grandes países em desenvolvimento também façam contribuições financeiras – proposta que é rejeitada por essas nações.
“Estamos prontos para fazer ainda mais, mas precisamos que outros contribuam, países ricos que ainda não contribuíram”, disse Morgan.
Ela e outros negociadores ocidentais dizem que grandes países produtores de petróleo, como as nações do Golfo Pérsico, e a China também deveriam contribuir para esse esforço.
Morgan, no entanto, diz que o Brasil não precisaria entrar nessa lista porque o país já “faz bastante por meio de sua própria mitigação e adaptação doméstica”.
Leia abaixo a íntegra da entrevista exclusiva com a czar do clima da Alemanha.
CNN – A grande questão desta COP, especialmente para o mundo em desenvolvimento, é garantir o financiamento dos países ricos para o combate às mudanças climáticas. Você acredita que poderemos chegar aos patamares de trilhões de dólares para isso?
Jennifer Morgan – Bem, acho que temos uma oportunidade aqui de criar uma nova abordagem para o financiamento climático internacional, que trará mais financiamento e mais investimento para os países mais pobres e vulneráveis.
Precisamos seguir em frente, também alavancando finanças do setor privado em áreas como energia renovável ou analisando como podemos enviar sinais sobre a reforma financeira internacional.
A crise da dívida que está acontecendo em tantos países em desenvolvimento é uma questão crítica. Precisamos resolver aqui. Estamos trabalhando duro. Estamos prontos para fazer ainda mais, mas precisamos que outros contribuam, países ricos que ainda não contribuíram.
CNN – Quais países?
Morgan – Os países da região do Golfo Pérsico, por exemplo. Eles obtiveram uma riqueza tremenda nos últimos anos e eles poderiam fazer uma contribuição. Um país como a China, muito bem-sucedido economicamente, com emissões históricas maiores do que a União Europeia. Que tipo de contribuição eles podem dar? É realmente sobre todos se unirem para podermos obter mais fundos para os países mais pobres da Terra.
CNN – O Brasil também deveria contribuir, já que é um grande país em desenvolvimento?
Morgan – Acho que o Brasil faz bastante por meio de sua própria mitigação e adaptação doméstica. E eu tenho que dizer, meus sentimentos estão com tantos brasileiros que têm sofrido com os impactos das mudanças climáticas nas últimas semanas e meses, com as secas, inundações e incêndios.
Eu acho que o Brasil tem um bom foco (no combate às ações climáticas) e acho que o país também pode encontrar uma maneira de fazer uma contribuição. Mas estamos realmente olhando para os países extremamente ricos que ainda não estão fazendo uma contribuição significativa para o esforço global.
É isso que estamos procurando para o esforço global com países desenvolvidos como a Alemanha. Não estamos tentando evitar ou diminuir nossa contribuição. Queremos fazer mais e para isso precisamos que outros também ajudem.
CNN – A senhora acha que, juntos, esses países podem chegar à soma de financiamento de USD 1.3 trilhão por ano? Essa é a cifra que muitos cientistas dizem ser necessária para o combate às mudanças climáticas.
Morgan – Bem, eu acho que há alguns números diferentes na mesa. Um é quanto financiamento ou investimento é necessário destinar para os países em desenvolvimento nos próximos anos. E há especialistas que falam em números como USD 1 trilhão, ou até US$ 1.3 trilhão para os países em desenvolvimento, excluindo a China. Para a União Europeia, esse número é diferente.
Estamos vendo como ir além dos US$ 100 bilhões. Todos nós (os países ricos) nos comprometemos em Copenhague (na COP, em 2009) a fornecer US$ 100 bilhões de dólares até 2020. Fizemos isso em 2022. Qual seria o próximo passo nisso? Esse precisa ser um número realista, mas também ambicioso. E estamos prontos para continuar na liderança. Chegar pelo menos nos US$ 100 bilhões. Mas precisamos que outros ajudem também.
CNN – A próxima COP, a COP30, será no Brasil. O quão importante é ter uma COP em Belém, no coração da Amazônia?
Morgan – Estamos muito satisfeitos que o presidente Lula esteja dando as boas-vindas ao mundo em Belém. Precisamos nos unir em torno das questões das florestas na Amazônia, que é o melhor lugar para fazer isso, para entender o que está em jogo e tudo mais. Para analisar como todos os países podem fazer mais para reduzir as emissões. Continuar crescendo economicamente, mas com redução das emissões ao mesmo tempo.
Queremos que a Alemanha mostre o seu próprio exemplo: reduzimos as emissões significativamente, mas nosso PIB continuou crescendo. Estamos entusiasmados em nos reunir com toda a sociedade civil e o setor privado no Brasil para realmente aumentar a ambição. E também garantir que estamos nos concentrando em questões em torno da segurança alimentar e em torno da redução da fome, porque todas essas questões são cruciais.
CNN – Uma coisa que incomoda muita gente nesta COP29 é a recente eleição do presidente Donald Trump nos Estados Unidos. Ele promete tirar os EUA novamente do Acordo de Paris. Qual é o impacto real de sua eleição para a luta contra as mudanças climáticas?
Morgan – O que eu sinto nesta COP é que a determinação aqui é tremenda para seguir adiante com o Acordo de Paris, acelerando sua implementação. Eu acho que nada vai parar isso e é para isso que estamos trabalhando aqui.
A Alemanha, por exemplo, tem mais de 40 parcerias em clima e energia, incluindo uma parceria fantástica com o Brasil. Nós vemos isso se intensificando com esses países. Os países querem seguir adiante, eles veem como a energia renovável cria empregos, gera benefícios econômicos que não podem ser revertidos. Não importa quem seja eleito em qualquer país.
CNN – Mas estamos falando sobre o país mais rico do mundo, uma nação que tem muita tecnologia para ajudar na transição energética. Isso não tem um impacto?
Morgan – Eu acho que cada país tem um impacto. Mas eu acho que desta vez é diferente. Hoje temos 85% das novas usinas de energia sendo construídas com energia renovável, temos o dobro de investimento em energias renováveis do que em combustíveis fósseis, e a Agência Internacional de Energia está nos dizendo que chegaremos a um pico do uso do petróleo, gás e carvão até o final desta década em 2030.
Depois disso, virá um declínio do seu uso. Então, acho que é um grande negócio (investir em energias renováveis). É bom para a economia e acho que é nisso que precisamos nos concentrar juntos.
CNN – A delegação da Argentina recebeu uma ordem do governo do presidente Javier Milei para abandonar a COP e voltar para Buenos Aires. Assim como o presidente eleito Trump, Milei não acredita que as ações humanas causam as mudanças climáticas. Qual a sua reação a essa decisão da Argentina?
Morgan – Lamentamos essa decisão A Argentina não está mais aqui na COP, mas, como um país do G20, também tem grande responsabilidade (na questão do combate às mudanças climáticas). Mas as negociações continuam.
Estamos negociando, estamos progredindo, e acho que nos uniremos. Temos que nos unir até o final da próxima semana, com alguns resultados ambiciosos e justos.
CNN – A Alemanha contribui muito para o Fundo Amazônia. Podemos esperar outras parcerias do tipo com o Brasil?
Morgan – Contribuímos para o Fundo Amazônia, mas também temos uma parceria de transformação social e ecológica com o Brasil.
Acho que há muitas áreas, seja no clima, da floresta, seja no hidrogênio verde e na energia renovável, onde iremos fazer ainda mais parcerias para aprofundar nossa colaboração.