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    Américo Martins
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    Américo Martins

    Especialista em jornalismo internacional e fascinado pelo mundo desde sempre, foi diretor da BBC de Londres e VP de Conteúdo da CNN; já visitou 68 países

    Entenda impactos da morte do presidente do Irã para o regime e os conflitos na região

    Morto numa queda de helicóptero, Ebrahim Raisi era um conservador de linha dura e muito próximo do líder supremo do Irã, o aiatolá Ali Khamenei

    A morte do presidente Ebrahim Raisi é um duro golpe para o regime do Irã e acontece no momento mais tenso das últimas décadas no país e no Oriente Médio.

    No cargo desde agosto de 2021, Raisi era um conservador de linha dura e muito próximo do líder supremo do Irã, o aiatolá Ali Khamenei –tanto que muitos o consideravam o favorito para suceder o líder no posto mais importante do país.

    Sua morte terá implicações tanto na política interna como nos diversos conflitos no Oriente Médio.

    Apesar de as grandes decisões serem tomadas diretamente por Khamenei, o presidente também tem influência e ajuda a determinar os rumos do país.

    Do ponto de vista interno, o governo tem uma obrigação constitucional de realizar eleições em até 50 dias para substituir Raisi.

    Essa disputa poderá trazer mais instabilidade a um país que foi sacudido recentemente por intensos protestos populares contra a teocracia e que atravessa uma grave crise econômica, com inflação alta e isolamento provocado por sanções ocidentais.

    Khamenei certamente vai operar para excluir da eleição candidatos que não sejam alinhados com o regime, como fez em 2021 quando Raisi foi eleito.

    Mas mesmo assim, diversos grupos, inclusive alguns ainda mais linha dura e conservadores do que o ex-presidente, deverão pressionar por seus representantes. Existe, portanto, a chance de uma guinada ainda mais radical.

    Na questão internacional, o Irã vai continuar como uma das nações mais influentes e belicistas do Oriente Médio, podendo até ampliar a sua política de apoio militar e financeiro a grupos radicais como o Hamas, na Faixa de Gaza, o Hezbollah, no Líbano, os Houthis, no Iêmen, e diversas milícias na Síria e no Iraque.

    Os objetivos centrais da política externa iraniana vão continuar sendo ações para a retirada de forças militares americanas da região e o antagonismo com Israel –com quem o país, pela primeira vez desde a fundação da República Islâmica, trocou ataques diretos com mísseis e drones, no mês passado.

    Esses pontos centrais não devem mudar, mas uma posição até mais radicalizada poderá ser adotada, o que levaria a uma intensificação dos conflitos –inclusive da guerra na Faixa de Gaza.

    Tudo isso depende, claro, de quem substituir o presidente morto.

    É possível, por exemplo, que líderes ligados à Guarda Revolucionária Islâmica pressionem para obter ainda mais controle sobre a direção política do país.

    A Guarda Revolucionária é a mais importante força militar do país e tem uma influência muito grande na política externa iraniana, sendo responsável, por exemplo, pelo treinamento, financiamento e contatos políticos de grupos como Hamas e Hezbollah.

    Caso um de seus líderes, ou algum aliado próximo, ascenda ao poder, a política externa tenderá a ser muito mais agressiva.

    O professor de Relações Internacionais da ESPM, Leonardo Trevisan, disse a este blog que “há a possibilidade de ampliação desse risco e de mais radicalização”.

    “Eu diria que a morte de Raisi coloca uma camada maior de complexidade no quadro geopolítico do Oriente Médio. Ele já dominava as variáveis internas e externas do quadro. A sucessão pode passar por maior espaço para radicalização”, diz ele.

    “A maior importância de Raisi era o fato de ser a pessoa “preparada” com mais possibilidade para ser ungido numa fase pós-Khamenei”, disse ele. “Chamou minha atenção que a mídia americana notou que as apostas no filho de Khamenei, Mojtaba Khamenei aumentaram para suceder o pai”, disse ele.

    A sucessão de Khamenei, que tem 85 anos de idade e foi o terceiro presidente da República Islâmica, entre 1981 e 1989, é um ponto crítico da política interna iraniana.

    Trevisan continua, afirmando que “o quadro interno também sofrerá mais tensão. Raisi era um nome forte para segurar os muito radicais. Tinha origem neles. Qualquer outro nome pode ter que reelaborar as conexões com esses grupos que são muito fortes no Irã”.

    O professor diz ainda que uma prova dessa força dos radicais é o número de mortes durante os protestos que se seguiram à morte da jovem Mahsa Amini, que estava sob custódia da polícia de costumes por não usar corretamente o véu que as mulheres iranianas precisam vestir em público para cobrir os cabelos.

    “Foram 22 mil detidos. Esses grupos radicais estão presentes na política interna iraniana e Raisi tinha força política para controlá-los. O sucessor pode não ter”, diz ele, afirmando que haverá “muita tensão pela frente”.