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    Américo Martins
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    Américo Martins

    Especialista em jornalismo internacional e fascinado pelo mundo desde sempre, foi diretor da BBC de Londres e VP de Conteúdo da CNN; já visitou 68 países

    Análise: apoio incondicional a Israel e omissão em Gaza podem custar a reeleição de Biden

    Eleitores progressistas, jovens e árabes votaram contra o presidente nas primárias democratas de Michigan, estado-pêndulo que é chave na disputa presidencial nos EUA

    O apoio incondicional a Israel e a omissão diante da violenta ofensiva militar na Faixa de Gaza podem, no limite, custar a reeleição do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden.

    O sinal de alerta surgiu nas primárias realizadas, na terça-feira (27), no estado americano do Michigan, quando quase 15% dos eleitores do Partido Democrata votaram contra o presidente e se declararam “sem compromisso” com sua candidatura.

    Os votos foram resultados de uma campanha promovida por eleitores progressistas, jovens e de origem árabe muito insatisfeitos com a falta de ações concretas do governo americano para deter o derramamento de sangue no território palestino.

    Esses eleitores dizem que Biden deveria exercer muito mais pressão sobre o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, para diminuir a intensidade de uma guerra que já deixou mais de 170 mil feridos e mais de 30 mil mortes em Gaza, especialmente mulheres e crianças.

    Ao invés de exigir um cessar-fogo imediato, os eleitores se queixam que Biden se limita a fazer “apelos” para que Netanyahu tente preservar a vida de civis.

    Ao mesmo tempo, o presidente americano trabalha para liberar pelo menos mais US$ 12 bilhões em ajuda militar incondicional para os israelenses.

    Essas posições levaram à criação, pela ala mais crítica dos eleitores americanos, de uma campanha digital contra o presidente chamada “Genocide Joe” (“Joe, o genocida”, em tradução livre).

    A acusação contra o presidente parece exagerada, mas mostra o tamanho da insatisfação de parte dos eleitores.

    O professor de Relações Internacionais da ESPM Leonardo Trevisan diz que “houve algum sucesso, sim, da campanha dos árabes-americanos que quiseram expressar a sua contrariedade quanto à política específica de Biden de apoio Incondicional a Israel”.

    Trevisan reconhece também que “há sim um risco de a candidatura de Biden ser prejudicada com esse apoio incondicional não só a Israel mas também a Netanyahu”.

    Joe Biden abraça o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, momentos após pousar em Israel. / Reuters

    A professora de Relações Internacionais da FAAP e especialista em política norte-americana Fernanda Magnotta acredita que o protesto deve servir de alerta a Biden.

    Ela lembra que Michigan é um dos “estados-pêndulos” (os “swing states”, em inglês), aqueles onde tanto os democratas quanto os republicanos podem vencer e definir suas reais chances de vitória para a Presidência.

    Como “estado-pêndulo”, Michigan deu a vitória ao ex-presidente Donald Trump contra a então candidata democrata Hillary Clinton em 2016, por pouco mais de 11 mil votos.

    Depois, Trump perdeu por mais de 150 mil votos, em 2020, quando Biden conseguiu mobilizar a seu favor grande parte do eleitorado – inclusive os jovens, progressistas e árabes.

    Como o voto nos Estados Unidos não é obrigatório, parte do eleitorado insatisfeito com as políticas de um governante pode simplesmente não comparecer no dia da eleição.

    Isso já seria suficiente para criar grandes problemas para Biden, que precisa garantir todos os votos possíveis nos estados-pêndulo.

    A professora Magnotta, no entanto, faz uma importante observação: “O voto de protesto funciona muito mais como uma sinalização no período de prévias, pela mensagem que se passa ao candidato, do que na eleição geral.”

    Tanto Magnotta quanto Trevisan lembram que ainda há muito tempo para as eleições de novembro, o que permitiria a Biden corrigir seu curso eleitoral.

    Além disso, os dois especialistas concordam que Biden está apostando em outro fator fundamental para a eleição: o radicalismo de Trump.

    O candidato presidencial republicano e ex-presidente Donald Trump fala durante um comício Get Out The Vote na Coastal Carolina University em 10 de fevereiro de 2024 em Conway, Carolina do Sul
    O candidato presidencial republicano e ex-presidente Donald Trump fala durante um comício Get Out The Vote na Coastal Carolina University em 10 de fevereiro de 2024 em Conway, Carolina do Sul / Win McNamee/Getty Images

    “Quanto mais Trump radicalizar o seu discurso durante a campanha, mais o voto moderado vai existir e mais vai impulsionar o americano médio moderado a sair de casa para votar. É nisso que o Biden está apostando”, diz ele.

    A professora Magnotta concorda e diz que “o antitrumpismo pode gerar uma disposição do eleitor, ainda que sob protesto, a comparecer e votar no Biden”.

    “A dúvida é o que pesa mais, e isso é difícil de mensurar: se a indignação com a posição democrata com relação à guerra ou se é o antitrumpismo. Acho que o antitrumpismo é maior e é isso que o Biden espera”, diz ela.

    Mas a situação de Biden não é confortável de qualquer maneira, como Magnotta lembra: “A questão é que independente da guerra, a situação dele [Biden] é muito delicada em todos os estados-pêndulos. Ele vai ganhar, se ganhar, na margem, como aconteceu em 2020”, diz ela.

    Nesta posição, Biden corre sérios riscos ao ignorar os avisos de qualquer grupo de eleitores insatisfeito com suas posições.