Disputa nos Brics vai congelar relações entre Brasil e Venezuela
Nota com críticas ao governo brasileiro sinaliza que Caracas pretende seguir um caminho de ruptura com Brasília similar ao adotado pela ditadura da Nicarágua
A disputa entre o Brasil e a Venezuela ocorrida esta semana durante a cúpula dos Brics, em Kazan, na Rússia, mostra que as relações entre os dois países estão próximas de serem completamente congeladas.
Uma nota divulgada na noite de quinta-feira (24) pela chancelaria venezuelana, com pesadas críticas à posição do Brasil durante a cúpula do bloco, irritou profundamente o governo brasileiro e estressou a relação ainda mais.
A CNN apurou que existe uma avaliação em Brasília de que o presidente venezuelano, Nicolás Maduro, está começando a seguir o mesmo caminho de ruptura traçado por Daniel Ortega, o ditador da Nicarágua.
Em agosto deste ano, Ortega expulsou o embaixador brasileiro no país, Breno Souza da Costa, depois de mais de um ano de péssimas relações entre os dois governos. Brasília usou o princípio da reciprocidade e, logo em seguida, expulsou também a embaixadora nicaraguense – congelando as relações.
Nesse período de mais de um ano, Ortega se recusou, inclusive, a atender a um pedido de conversa com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva para discutir a repressão da ditadura nicaraguense a opositores e a bispos católicos presos – um pedido feito a Lula pelo papa Francisco.
Agora, Maduro dá sinais parecidos.
Tensão nos Brics
O último capítulo das tensões está relacionado ao grande interesse da Venezuela de ingressar no grupo dos Brics, o bloco das nações em desenvolvimento, que está em expansão.
Para atingir esse objetivo, Maduro fez um forte lobby junto aos governos do bloco, especialmente Rússia e China.
Mas suas pretensões foram barradas pela diplomacia brasileira, antes e durante a cúpula, devido ao não cumprimento de diversos acordos relacionados às polêmicas eleições presidenciais ocorridas no final de julho – com grandes evidências de fraude por parte do líder venezuelano.
Em conversas diretas e indiretas, ocorridas inclusive nos últimos momentos da cúpula em Kazan, a diplomacia brasileira deixou claro que não aceitaria a entrada da Venezuela no bloco enquanto não fossem esclarecidas as questões relacionadas às eleições e à dura repressão aos opositores do chavismo.
Caracas prometeu seguidas vezes ao Brasil que apresentaria as já famosas atas de votação que comprovariam a suposta vitória de Maduro e também que garantiria o respeito aos direitos dos opositores.
Nada disso aconteceu.
Mesmo com a resistência brasileira, Maduro continuou insistindo no lobby para entrar nos Brics e apareceu de surpresa em Kazan. Isso foi avaliado como uma tentativa do venezuelano de passar por cima da posição brasileira e se alinhar ao presidente Vladimir Putin –que disse abertamente ser favorável ao ingresso de Caracas no grupo.
Por fim, a diplomacia brasileira fez valer a sua posição e bloqueou a Venezuela, lembrando que as normas dos Brics dizem que as decisões devem ser tomadas por consenso.
Derrotada nesse round, a chancelaria venezuelana resolveu soltar uma nota ofensiva, na qual disse que a postura brasileira foi um “gesto hostil” e uma “agressão” ao país.
Isso indica claramente que o líder venezuelano não pretende fazer gestos conciliatórios, que incluiriam conversas francas com os líderes brasileiros, fim da repressão à oposição e reconhecimento do espírito dos acordos de Barbados, que levaram à eleição de julho.
Ou, em outras palavras, abertura de um processo de diálogo com a oposição para encontrar saídas políticas para a crise.
Nada disso parece provável e o governo brasileiro não demonstra nenhuma inclinação para mudar de posição.
Essa combinação vai, quase inevitavelmente, levar ao congelamento das relações.