Análise: Tarifaço de Trump implode sistema de livre comércio e pode beneficiar China
Presidente dos EUA coloca em risco aliança estratégica dos países ocidentais, criada há décadas e baseada em laços de comércio, respeito diplomático e acordos militares
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A guerra comercial provocada pelo presidente Donald Trump é a maior ameaça recente ao sistema de livre comércio global e pode acabar, ironicamente, beneficiando a China – o grande adversário geopolítico e estratégico dos Estados Unidos.
Ao impor tarifas a países aliados como o Canadá e o México, Trump subverte a lógica da globalização – que teve os Estados Unidos como o seu maior defensor histórico – e provoca, simultaneamente, dois tipos de problemas sérios.
Em primeiro lugar, cria impactos negativos não apenas para a economia dos vizinhos, mas também dentro do seu próprio país, como o esperado aumento da inflação e de custos para as empresas dos Estados Unidos.
O setor industrial norte-americano, em especial, deve sofrer com as medidas já que é altamente integrado a fornecedores mexicanos e canadenses – justamente porque se beneficiava de um dos mais importantes acordos de livre comércio do mundo, extinto por Trump em uma simples canetada.
Em segundo lugar, e até mais importante, o presidente americano coloca em risco a própria aliança estratégica dos países ocidentais, criada há décadas e baseada em laços de respeito diplomático, acordos militares de proteção mútua e muito comércio dentro do grupo.
Ao escancarar sua guinada protecionista, Trump alimenta a ideia de que canadenses, mexicanos e europeus, entre outros, precisam diminuir sua dependência do país mais rico do mundo.
Em outras palavras, faz com que até os seus aliados mais próximos comecem a se sentir ameaçados – no caso do Canadá, inclusive com a proposta de anexar o país ao território americano.
Tudo isso abre muitas oportunidades para que a China se apresente como um parceiro mais justo para governos acuados por Washington. E não só na Europa e América do Norte, mas também na América Latina, por exemplo.
No curto prazo, a China, claro, vai sofrer as consequências de tarifas mais pesadas sobre seus produtos. Mas os chineses costumam ser mestres no jogo diplomático de longo prazo.
Eles vão procurar ampliar seu comércio justamente com os aliados históricos dos americanos, tentando oferecer melhores condições e mais previsibilidade nos acordos. Além de fortalecer ainda mais sua posição na América Latina e África.
Além disso, vão tentar sempre que possível oferecer seus produtos a preços ainda mais competitivos como alternativa a mercadorias americanas, que poderão ser sobretaxadas dentro da perversa lógica de uma guerra comercial.
Como sempre acontece, as crises geram oportunidades – neste caso, no entanto, há o risco de a crise abalar principalmente as relações entre os EUA e seus aliados, gerando oportunidades em especial para os chineses.