Análise: Desinteresse de Trump por América Latina é boa notícia para Brasil
Presidente disse que os EUA “não precisam” do país ou da região, mas sinalizou preocupação com o crescimento da influência chinesa na área
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Apesar de parecer contraditório, o desprezo demonstrado pelo presidente Donald Trump pela América Latina é uma boa notícia para o Brasil.
No dia de sua posse, Trump foi perguntado sobre como seria a relação de seu governo com o Brasil e com toda a região da América Latina.
A resposta foi muito honesta e mostrou um certo desdém do líder americano: “A relação é excelente. Eles precisam de nós, muito mais do que precisamos deles. Não precisamos deles. Eles precisam de nós”.
Ao fazer esse tipo de comentário, Trump comprova que o país e a região não estão na lista de suas prioridades internacionais – com exceção, claro, da fronteira com o México e a imigração ilegal, temas que o presidente considera como sendo de política interna.
Assim, é possível esperar, com um pouco de sorte, que seja mantido um certo grau de normalidade nas relações comerciais e diplomáticas entre as partes.
Esta é, inclusive, a aposta do Itamaraty nas relações bilaterais.
Sabendo que Trump e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva estão em polos ideológicos opostos, os diplomatas brasileiros já estão trabalhando para manter a normalidade e a institucionalidade nas relações.
A ordem é manter os canais institucionais abertos, evitando sobressaltos e sem se preocupar em tentativas de aproximação que poderiam ter resultado incerto.
E essa tarefa fica bem mais fácil com o país fora do radar imediato de Washington.
Influência chinesa
Às vésperas da posse, Trump deu duas declarações que diziam respeito, direta ou indiretamente, ao Brasil. Mas também sinalizou preocupação com o aumento da influência da China na região como um todo.
Com relação ao Brasil, a primeira declaração foi sua oposição à ideia de criação de uma moeda comum dos Brics. A segunda, uma reclamação sobre o que o presidente americano considera ser “altas tarifas” impostas a produtos importados americanos.
Os dois tópicos causam uma certa preocupação ao governo, mas também são relativizados pelo Itamaraty.
O presidente Lula, de fato, é um defensor do uso de moedas alternativas ao dólar no comércio internacional. Mas a ideia de criação de uma “moeda dos Brics” é de difícil execução e continua muito longe da realidade.
Por decisão direta de Brasília, é provável que o tópico nem tenha destaque na próxima Cúpula dos Chefes de Estado dos Brics – que, por sinal, vai acontecer no Brasil.
Economia
Na questão das tarifas, a Argentina do presidente Javier Milei aparece como uma aliada improvável do governo Lula. Isso porque as tarifas de importação adotadas pelo Brasil para a grande maioria dos produtos são as mesmas dos parceiros do Mercosul: a Tarifa Externa Comum.
Em outras palavras, o presidente americano não teria justificativa para sobretaxar produtos brasileiros e ignorar similares argentinos.
Mas essa relativa acomodação entre os Estados Unidos e a América Latina pode mudar por outro motivo: justamente pelas preocupações de Trump com o aumento da presença da China na região.
Esse é o ponto por trás, por exemplo, da promessa do presidente americano de retomar o Canal do Panamá.
Trump vê com reservas o fato de empresas chinesas operarem portos nas duas pontas do canal, o que seria, para ele, uma ameaça estratégica aos interesses comerciais americanos.
A China, como se sabe, tem ampliado muito os seus investimentos na América Latina, em geral, e no Brasil, em particular.
Em algum momento, Trump pode tentar agir para diminuir essa influência numa região tão próxima dos EUA. E isso, sim, poderia ter consequências para o Brasil.