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    Américo Martins
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    Américo Martins

    Especialista em jornalismo internacional e fascinado pelo mundo desde sempre, foi diretor da BBC de Londres e VP de Conteúdo da CNN; já visitou 68 países

    Superterça: por que o repeteco Biden x Trump é perigoso à democracia dos EUA

    Atual presidente e ex-mandatário vão ganhar as primárias desta terça-feira, consolidando a polarização e fossilizando a política dos Estados Unidos

    O presidente Joe Biden e o ex-mandatário Donald Trump vão vencer as primárias ou caucus em disputa nesta Superterça em 15 estados e um território dos Estados Unidos.

    Com isso, eles praticamente garantem suas nomeações como os candidatos dos partidos Democrata e Republicano para as eleições presidenciais de novembro, repetindo a disputa de 2020.

    E este repeteco é muito ruim e perigoso para a democracia americana. Por pelo menos três motivos:

    1 – Em primeiro lugar, os dois são os maiores símbolos da extrema polarização que vem destruindo e imobilizando a política do país

    Biden é tão odiado pela imensa maioria dos republicanos conservadores como Trump é detestado por todos os democratas.

    O ex-presidente, claro, tem o agravante de tentar minar e solapar continuamente as instituições democráticas dos Estados Unidos. Como se viu quando ele tentou dar um golpe no dia 6 de janeiro de 2021, por meio da turba que invadiu o Capitólio, o Congresso do país.

    Só isso já seria mais do que o bastante para impedir que Trump voltasse à política.

    Mas os pecados antidemocráticos de Trump não absolvem Biden, que é visto pelos opositores como um candidato fraco, errático em algumas decisões e “mole” em aspectos como política externa e imigração.

    O resultado desse ódio mútuo faz com que seus partidos simplesmente vetem qualquer iniciativa do outro lado — mesmo que as propostas façam total sentido, como foi o caso da recente lei que permitiria ao governo combater com mais efetividade a imigração ilegal, tida por boa parte do eleitorado como um dos grandes problemas do país no momento.

    A disputa entre os dois vai manter esse status quo – e o partido que perder a eleição continuará fazendo uma oposição burra, apenas para impedir que o novo presidente consiga governar.

    2 – Em segundo lugar, Biden e Trump representam uma excessiva personalização da política americana – um fenômeno que vem se agravando no país recentemente

    As disputas, mais do que em qualquer outro tempo, não são decididas por propostas elaboradas para sanar os problemas nacionais.

    São embates mais parecidos com brigas de torcida ou os antiquados concursos de miss universo – quando as pessoas simplesmente gostam ou odeiam um candidato por empatia pessoal.

    3 – Por fim, Biden e Trump fossilizam a política americana

    Uso o termo não necessariamente no sentido de que os dois são ilustres representantes da melhor idade: Biden, o presidente mais idoso da história dos EUA, tem 81 anos e Trump, 77. Afinal, este blog é absolutamente contra o etarismo e qualquer outro tipo de discriminação.

    O verbo “fossilizar” é no sentido de que a insistência deles em continuar colocando os seus egos na frente dos interesses do país acabou impedindo uma importante e necessária renovação dos quadros políticos nos dois partidos.

    A ex-governadora da Carolina do Sul Nikki Haley até que tentou se apresentar como essa renovação, mas a iminente derrota na Superterça deve sepultar de vez suas ambições nesta corrida.

    No lado Democrata, Biden simplesmente impediu o surgimento de qualquer novo nome, usando o seu próprio cargo para impor sua candidatura.

    Agora, vai ter que gastar parte do tempo de campanha explicando suas dificuldades em lembrar datas e a troca constante de nomes de mandatários de outros países.

    Novos nomes, com jeitos mais modernos de fazer política, certamente ajudariam a oxigenar a política americana.

    Esta é a opinião, por exemplo, do professor de Relações Internacionais da ESPM Roberto Uebel.

    “Uma aposentadoria de Trump e Biden ao menos oxigenaria o debate político com novas figuras, não necessariamente mais novas em idade, mas que poderiam desenvolver um debate, ainda que polarizado, menos personalista”, disse ele ao blog.

    Já o professor Leonardo Trevisan, também da ESPM, diz que o que está ocorrendo é uma “fossilização do discurso político americano, que ocorre independente desses personagens”.

    Para Trevisan, “isso tem a ver com causas muito mais profundas que estão ligadas ao perfil do emprego nos Estados Unidos, que estão ligadas à questões de identidade nos Estados Unidos e estão ligados, por exemplo, ao fato de que 70% do eleitorado americano, portanto a metade do eleitorado Democrata, é absolutamente favorável às armas”.

    De qualquer forma, ele acredita que tanto Biden como Trump contribuem para essa fossilização da política americana pela forma como eles impediram o surgimento de novos líderes.

    Para Uebel, se a disputa não fosse entre Biden e Trump, a animosidade entre os dois partidos continuaria, mas “seria mais fragmentada”.

    Ele acredita que a chance de surgimento de novos nomes e de uma possível redução da polarização só aconteceria agora em 2028 ou 2032.

    Talvez seja tempo demais para garantir a saúde da democracia americana.