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    Ford intensifica foco no Brasil em eletrificação, picapes e furgões

    Cinco anos após fechar fábricas, VP da Ford fala em supercarros e cobra projeto nacional de eletrificação

    Eugênio Augusto Britocolaboração para a CNN

    Quase cinco anos após fechar as fábricas de São Bernardo do Campo e Taubaté (SP), além de Camaçari (BA), encerrando também o ciclo de modelos como Ka (hatch e sedan) e EcoSport (primeiro SUV compacto do Brasil), a Ford aposta tudo na importação de picapes de todos os segmentos, furgões, elétricos e, a partir deste ano, vai estudar trazer modelos exclusivos da linha de Performance, como o Mustang GTD de US$ 300 mil (quase R$ 1,5 milhão).

    A fabricante norte-americana foi pioneira na produção de automóveis no Brasil: em 1919, começou a montar o clássico Ford T no centro da cidade de São Paulo, com peças importadas. Mas em 2021, quando encerrou as atividades fabris, batalhava para se manter como uma das “quatro gigantes” da indústria local, ao lado de Fiat, Chevrolet e Volkswagen.

    Em 2018, a versão mais barata do Ka custava R$ 44.030. Agora em 2024, o modelo de entrada da marca é o SUV urbano Territory, importado da China a R$ 210 mil. Segundo a consultoria Jato Dynamics, cada cliente entrega em média R$ 250 mil à Ford em cada compra — antes, eram apenas R$ 100 mil.

    Neste período, a marca manteve apenas diretoria, em São Paulo, além do Centro de Pesquisa e Design, na Bahia. Este exporta insights de design e tecnologia: o Bronco teve seu visual pensado no Brasil, ao lado de outros projetos que renderam R$ 500 milhões à Ford em 2022.

    No final de fevereiro, a Ford reuniu imprensa e seus principais executivos para um lançamento aparentemente secundário, a versão elétrica do furgão Transit Chassi Cabine. Mas a oportunidade foi tratada pela empresa como fundamental para reafirmar seus objetivos no país.

    No evento, a CNN conversou com o Vice-Presidente da Ford para América do Sul, Rogélio Golfarb, não sobre números (que a marca evita comentar), mas sobre o aprendizado da empresa dos últimos cinco anos. E sobre qual o caminho a ser seguido a partir de agora.

    Leia abaixo a entrevista com o executivo da Ford:

    CNN: Qual é a avaliação feita pela Ford América do Sul, repassada à sede em Detroit, sobre a mudança de rumo local, com fechamento de fábricas no Brasil e realinhamento de produtos? Deu o resultado esperado? Qual é a leitura desses últimos cinco anos?

    Rogélio Golfarb: A gente fez uma mudança dramática em nosso modelo de negócio para o Brasil, e óbvio que o que as pessoas mais lembram é com relação ao encerramento da manufatura. Mas uma parte muito importante é o nosso investimento em toda a parte de pesquisa desenvolvimento, com a nossa operação na Bahia e no interior de São Paulo, com Centro de Desenvolvimento de Tecnologia e cerca de 1.600 pessoas trabalhando em projetos para o mercado americano, europeu e chinês.

    Hoje, 85% das horas dedicadas desses 1.600 colaboradores são para projetos futuros de alta tecnologia. Ainda estamos fechando os dados de 2023, mas em 2022 nós exportamos mais de R$ 500 milhões em projetos. Esse pessoal trabalha em novas gerações de produtos, que virão a partir de 2025, híbridos, elétricos, de conectividade.

    Em 2022, exportamos mais de R$ 500 milhões em projetos

    Rogélio Golfarb, VP da Ford

    Só a Ford faz isso, com esse novo modelo, de focar aqui no Brasil em pesquisa, desenvolvimento e tecnologia, desde pesquisa com patentes em grafeno, por exemplo, desenvolvimento de softwares que estão sendo utilizados globalmente, e design. Nós participamos, por exemplo, do design do Bronco, com resultado financeiro, porque conseguimos ser competitivos.

    Você citou eficiência e redução de custos. Mas a Ford não divulga mais números e balanços. Como podemos saber, e como vocês fazem para reportar, se resultados foram positivos em 2022 e 2023 e qual será a perspectiva para 2024?

    RG: Não posso dar os números, mas vou te explicar uma coisa interessante. Globalmente, mudamos a maneira de reportar. Antes nós reportávamos os resultados por região. Hoje os resultados são divididos globalmente por pilares de negócios.

    Tem o Ford Blue, unidade de negócios de veículos com motor a combustão pura e híbridos. Tem o Model E, de veículos totalmente elétricos. O Ford Pro, cuja apresentação estamos fazendo aqui em São Paulo, com toda parte de veículos comerciais. E o Ford Credit, que é o braço financeiro.

    Não posso dizer “ganhamos tanto aqui ou perdemos tanto na América do Sul”. Mas posso dizer que, após o ano da transformação, nós fizemos um turnaround [recuperação financeira da empresa] e passamos a ter resultados positivos. Tudo isso também é uma análise temporal, que leva alguns anos e considera variações de mercado.

    Rogélio Golfarb, VP da Ford para América do Sul, posa ao lado de furgão Ford Transit
    Rogélio Golfarb acredita na venda de comerciais e picapes como principais pilares da Ford. Divulgação / Ford

    Mas considerando tudo isso, rumos de mercado, ações de governo como o Programa MoVer e suas regras, a decisão de fechar fábricas no Brasil poderia ter sido evitada se fosse tomada hoje?

    RG: Eu vou te responder novamente de outra maneira. Pensamos e priorizamos um modelo que fosse resiliente à volatilidade da região e estamos muito satisfeitos com os resultados que a gente tem, esse modelo entrega exatamente aquilo que nós imaginávamos para Ford.

    Com investimentos em tecnologia, hoje nós estamos praticamente sozinhos no setor automotivo, no Brasil. Produtos e pilares têm funcionado muito bem, SUVs, picapes, veículos comerciais, com as diversas propulsões, sejam elas híbridas, a combustão pura ou elétricas.

    Olha para o mercado brasileiro, o que cresceu? O volume de grande frotistas, hoje, é praticamente 50% do volume de vendas do Brasil. Eles alugam, fazem a terceirização da frota, é outro modelo de negócio.

    E dos veículos que predominam nesse segmento, 50% são veículos compactos. Nós saímos deste segmento, nossos rivais ficaram, mas têm um desafio enorme do ponto de vista comercial, porque essas vendas são de grandes volumes, mas com grandes descontos sazonais também.

    As pessoas que têm baixa renda estão comprando veículos usados ou estão alugando veículo para trabalhar. Não estão comprando da montadora, do distribuidor, isso mudou.

    Nós crescemos 60% em 2022 e 2023, é um crescimento fantástico. Estamos nos outros 50% do mercado, que continua crescendo.

    Estamos inovando, trazendo uma van chassis elétrica, inaugurando esse segmento elétrico de até 5 toneladas, não tem ninguém nesse segmento, que vai crescer.

    Desses três pilares de negócios, nos quais vocês decidiram apostar tudo, o que parece mais forte no Brasil, neste momento, é o segmento de picapes. Vocês têm produtos fortes e reconhecidos em todos os sub-segmentos. Com o lançamento da área comercial, também estão tendo atuação forte. Mas, curiosamente, vocês estão devendo no segmento de SUVs, onde a Ford foi pioneira com EcoSport. Não falta algo justamente para a entrada desse segmento, que está sendo muito bem explorada pelos rivais?

    RG: Sim. Nós trouxemos o Bronco, que aqui não tem um grande volume, mas tem potencial de crescer muito, é um excelente produto. E a gente trouxe o Territory, que está superando todas as expectativas, dobramos o volume do ano passado com o Novo Territory, que tem uma equação de custo-benefício fantástica, é um produto com espaço enorme, muita tecnologia embarcada.

    Nós temos que aumentar a importação desse veículo, porque a gente não está dando conta da demanda, e estamos concorrendo com produtos fabricados localmente. A sua pergunta reflete a fotografia de 2022 e 2023, mas você vai ver uma mudança significativa nessa nossa participação com o Territory.

    A gente tem o Bronco Sport, que é um veículo menor, mas com muito mais capacidade off-road e potência que os rivais, a gente vai ver crescimento dele.

    Mas o mais interessante é que, nesse segmento, também vemos a busca por picapes, é algo que está crescendo. Quando trouxemos a Maverick, nós inauguramos um segmento que é o das picapes derivadas de automóvel abaixo do que são aquelas consideradas médias, como a Ranger e outras.

    Essa picape, tem espaço de SUV médio, com o espaço dedicado da cabine, mas ainda com toda a caçamba, que é uma das maiores dos segmento, e toda a tecnologia. Com essa flexibilidade de uso enorme, nos Estados Unidos, esse produto substituiu os carros compactos, que para nós não são tão compactos assim, e está esgotada.

    Então, acredito que nós vamos ver neste ano mais crescimento do Bronco e também da Maverick, inclusive com a versão híbrida, que custa a mesma coisa que a versão a combustão, pode rodar 900 quilômetros com um tanque, é extremamente eficiente e entrega todo esse conforto e espaço.

    Ford Mustang Mach-E sendo recarregado
    Mustang Mach-E é primeiro elétrico global da Ford / Divulgação / Ford

    A eletrificação é outro pilar muito forte na apresentação dos planos da Ford. [Durante a apresentação do Ford Chassi Cabine Elétrico] Você falou do quanto o Brasil necessita de uma ação governamental mais forte nesse segmento. Explique um pouco melhor isso, por favor.

    RG: A questão aqui não é a Ford, nós vamos nos adaptar às condições de mercado e nosso portfólio mostra isso, temos um portfólio global fantástico. É mais uma questão de Brasil mesmo.

    Nós [a indústria brasileira] temos uma grande vantagem competitiva que é o etanol, nós dominamos a tecnologia, temos produtividade. Mas nós temos que entender que existe uma outra tecnologia no mundo e que ela vai crescer.

    Em 10 ou 15 anos, não tenho dúvida que os motores elétricos e eletrificados vão estar totalmente globalizados e mais baratos. As tecnologias vão estar cada vez mais desenvolvidas e baratas com essa base de escala global. E o motor a combustão interna com o etanol vai continuar sendo uma tecnologia brasileira.

    Então, vejo isso como uma transição. O Brasil não pode abrir mão de jeito nenhum do etanol. Mas o Brasil não pode perder a oportunidade de entrar nessa outra tecnologia, que vai conviver com o etanol por muito tempo aqui e que vai crescer de maneira absurda lá para frente.

    A política da eletromobilidade para o Brasil tem de ser uma política de inserção na cadeia automotiva de um não tão distante futuro global. Porque o etanol, por mais que ele seja ótimo, tem limitações para ser adotado globalmente. Nós temos o álcool de cana, uma produtividade que não existe em outros locais, o mundo não tem álcool de cana. Ou seja, a tendência de a gente poder realmente participar da nova tecnologia de mobilidade com o etanol em outros mercados é muito pequena.

    Mas nós também temos tudo para eletrificação no Brasil. Nós temos os minerais da eletrificação, temos uma matriz energética muito limpa comparada com o resto do mundo. Nós teríamos uma vantagem competitiva, que não necessariamente tem entrar em conflito com etanol, ela vai se complementar.

    Se a gente conseguisse ter uma política de eletromobilidade bem estruturada, que inclui uma política específica para minerais, uma política específica para o desenvolvimento de baterias e motores. Você não precisa começar fazendo a bateria, mas fazendo um beneficiamento dos minerais que compõem a bateria. Uma política de geração de energia limpa, o Brasil tem a [energia] eólica, tem biomassa, mas também tem potencial de energia fotovoltaica solar brutal.

    Muita coisa está sendo feita pelo governo, sim, mas a gente podia ter uma missão muito maior. Imagine se cada casa daqui para frente tiver placa solar, muda a estrutura de energia do país. Mas hoje o Brasil não desenvolve tecnologia para energia solar, praticamente não produz placa fotovoltaica, o que se tem ainda é praticamente tudo importado.

    Há ainda o ponto da conectividade. Fala-se dos semicondutores, mas a questão da fábrica é ela custar 6 bilhões de dólares e você teria de ter uma escala gigantesca. Agora, sobre o software, costumo dizer que lá na frente o software vai definir o PIB.

    [O software] está absolutamente em tudo, e nós temos um déficit de profissionais, o mundo tem déficit de profissionais. Segundo pesquisas, em 2025 nós vamos ter um déficit de pelo menos 500 mil especialistas, isso apenas no Brasil. E isso porque tem muita gente aqui no Brasil que trabalha para empresas de fora.

    Nós, da Ford, criamos um projeto social chamado Ford Enter, destinado a pessoas de baixa renda, para treiná-los e desenvolvê-los em programação e software. Fechamos parceria com o Senai, levamos esse jovens, eles têm bolsa-transporte, bolsa-alimentação, o ambiente do Senai é uma experiência de transformação, pela parceria com Ford, com Land Rover, com Harley-Davidson, e pelos professores, que não ensinam apenas a técnica, mas ensinam a civilidade.

    A imagem da F-150 sempre foi muito forte lá fora, e agora pode ser replicado no Brasil também; a Ford tem imagem forte em competição, algo que no Brasil também pode ser fortalecido com a parceria com a Red Bull na Fórmula 1, que é algo que a marca já está usando nos Estados Unidos, bem como com o WEC (Campeonato Mundial de Endurance), que além de Le Mans vai ter prova em São Paulo, em junho; e a Ford tinha nomes clássicos, como Maverick, em outros anos, que agora é usado em um veículo diferente, mas segue forte. A Ford global sempre usou a cultura da marca, da performance. Isso será mais explorado no Brasil?

    RG: Nunca nos preocupamos apenas em quem vai comprar o carro, em usar o carro. Já tínhamos a noção de cultura de marca, já podíamos ver isso em termos de marketing, em termos de abrangência da nossa imagem, do Maverick clássico. E isso vai se ampliar, não posso te contar todos os detalhes do que a gente vai fazer.

    Mas quando fizemos um carro elétrico, nosso primeiro carro elétrico global, havia muita discussão de como a gente ia fazer. Resolvemos fazer uma coisa absolutamente impensável pelo consumidor, que era fazer um Mustang elétrico [Mach-E]. Foi fazer um carro elétrico com emoção, ligado a um dos mais poderosos ícones da indústria, desenhado para ter cara de carro, não de geladeira ou outra coisa.

    Veja nossa linha. O Bronco é um ícone, o Mustang é um ícone sem dúvida nenhuma, a F-150 é um ícone, a Ranger já está se tornando um ícone, já tem clubes no mundo. E performance tem absolutamente tudo a ver com isso, nós vamos estar nas provas de GT3 e GT4 globalmente, estivemos em Le Mans, em Daytona, vamos ter essa colaboração com a Red Bull já aceleradíssima e em andamento.

    E temos a divisão Ford Performance gerando produtos interessantíssimos, como a Ranger Raptor, que não damos conta de vender, é um produto de alta performance. Acabamos de lançar, nos Estados Unidos e Europa, o [Mustang] Mach-E Rally, um elétrico de performance.

    A gente vai trabalhar forte a performance e vamos trabalhar esses eventos aqui, sem dúvida nenhuma.

    Temos o Mustang GTD, que eu tive a oportunidade de olhar com bastante cuidado lá nos Estados Unidos, agora no começo do ano. É um carro maravilhoso, vai levar a marca Mustang a outros patamares e nós vamos trabalhar isso aqui, com certeza. Vamos conseguir ver esse carro por aqui, pelo menos para exibição, mas não pense que fica só nisso.

    A produção é muito limitada, o número de unidades do GTD é muito pequeno, mas nós estamos trabalhando para ver se a gente traz aqui [para o Brasil], sim. Não posso prometer porque não tenho nada decidido.

    E vamos trabalhar em outras coisas, que não posso dizer, em modelos específicos e versões específicas para os entusiastas do automobilismo, fará sentido para esse pessoal. Independente de ser volumes muito pequenos, estamos pensando lá na frente.

    Rogélio Golfarb, VP da Ford para América do Sul, sorri durante entrevista
    Golfarb acredita no sucesso de versões de modelos com apelo para entusiastas / Rockset/ Ford

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