10 recalls em 4 meses: o que pode estar por trás dos frequentes anúncios da Tesla
Nos últimos quatro meses, já são 10 avisos de recall da montadora
No mês de fevereiro, a Tesla, montadora de veículos elétricos, fez quatro avisos de recall para veículos nos Estados Unidos. Se forem considerados os últimos quatro meses, esse número sobe para 10.
Por trás desses pedidos, está a Administração Nacional de Segurança no Tráfego Rodoviário (NHTSA, na sigla em inglês). Acompanhando de perto a montadora do famoso – e controverso — Elon Musk, a organização não deixou barato para a Tesla no mês.
No primeiro dia de fevereiro, cerca de 54 mil automóveis entraram na lista, pois podem não parar completamente em alguns cruzamentos.
No dia 3, foi a vez de outros 817 mil veículos, porque um alerta sonoro pode não ser ativado quando um veículo dá partida e o motorista não afivelou o cinto de segurança, descumprindo o padrão nacional.
No dia 9, cerca de 26 mil carros tiveram de ser chamados porque um erro pode resultar em problemas no processo de degelo do para-brisa.
Por fim, no dia 11, quase 580 mil carros foram chamados porque os pedestres podem não conseguir ouvir um som obrigatório de aviso na aproximação do carro, devido à música alta ou outros sons reproduzidos pelo recurso “Boombox”.
Questionado sobre este último recall, Musk culpou a “polícia da diversão” em seu Twitter.
The fun police made us do it (sigh)
— Elon Musk (@elonmusk) February 13, 2022
Além disso, na última quinta-feira (17), a NHTSA também afirmou que está investigando relatos de que os veículos estão freando inesperadamente ao usar o piloto automático. Ela estima que 416 mil veículos podem ser afetados.
À associação, a montadora respondeu que não estava ciente de acidentes, lesões ou fatalidades relacionadas aos recalls.
À CNN Brasil Business, a Tesla não respondeu imediatamente um pedido de comentário.
Problemas de software
Afinal, existe alguma relação entre esses problemas? Qual o motivo por trás das complicações, e por que elas vêm ocorrendo com tanta frequência?
Para Marcelo Augusto Leal, professor da USP e membro do Centro de Engenharia Mecânica da Escola Politécnica, o que chama atenção nos quatro casos é que quase todos estão associados a softwares que atuam no funcionamento do veículo.
O especialista explica que automóveis, em particular os elétricos e com grau de automação maior, necessitam que vários programas sejam desenvolvidos para que os computadores controlem as mais diversas funções do veículo.
“Hoje, com o uso de computadores em vários sistemas dos veículos, o software passa a ser mais um componente a ser desenvolvido, assim como são as demais peças”, diz.
E para Valdemar Setzer, professor do departamento de Ciência da Computação da USP, quando o assunto são programas de computador de porte razoável, é impossível garantir formalmente que eles sejam livres de erro.
“Se passam em um teste, este último mostra que para os dados do teste os programas funcionam, mas podem não funcionar para outros dados. Por isso são continuamente emitidas novas versões de aplicativos grandes, sistemas operacionais, e por aí vai”, ressalta o professor.
“Existem recalls mecânicos, não só do ponto de vista de software. Mas acho que o software vai piorar a situação, porque ele é uma grande fonte de erros.”
Para essa linha de pensamento, Marcelo complementa: “o processo de projeto de um veículo é muito complexo, e não é possível fazer algo que seja imune a erros ou mesmo que não demande melhorias quando posto em uso.”
“Muitas vezes o que se faz não é para corrigir um erro, mas para tornar melhor o produto.”
Pelos recentes recalls, aparentemente, é o que a empresa tem tentado fazer.
Novidade no mercado
No universo das montadoras de veículos, a Tesla mal chegou na adolescência. Enquanto montadoras tradicionais estão há mais de um século no mercado, a montadora de Musk ainda não tem 20 anos de experiência.
A Ford, por exemplo, nasceu em 1903 –a Tesla foi criada 100 anos depois, em 2003.
Essa diferença de tempo de um produto no mercado, somado ao modelo de negócio inovador, contribuem para esse cenário de recalls tão frequentes, dizem especialistas.
Mas há controvérsias. Setzer acredita que esse seja, de fato, o caso. Para ele, é normal que uma empresa nova tenha mais problemas que uma antiga.
“Suponha que uma empresa antiga esteja desenvolvendo um novo modelo de automóvel. Ela pode reaproveitar muita coisa do que já tinha antes com modelos anteriores.”
Como a Tesla ainda não tem esse know-hall, Setzer vê como normal que esses recalls aconteçam com mais frequência. “O mais importante é a empresa ter meios corretivos. Quando se percebe algum problema, é necessário fazer a correção rapidamente”, explica.
Marcelo, por sua vez, discorda da afirmação. Ele explica que ressalta que houve uma grande migração de engenheiros de outras montadoras para a Tesla, “um projeto de veículo elétrico e autônomo não é feito por pessoas que não tenham experiência.”
“O fato de ser uma empresa nova me parece ser pouco significativo. O que mais influencia é o tipo de veículo e a complexidade dos sistemas embarcados, muitos dos quais são extremamente inovadores”.
Além da montadora, carros elétricos e autônomos também são novidade no mercado. Não a tecnologia especificamente – existem registros da criação de veículos elétricos datados no século XIX, por exemplo — mas fabricação em grande escala desse tipo de automóvel.
Claro, isso também é motivo para haver mais tentativas e erros nestes automóveis do que nos tradicionais. “Este tipo de sistema está ainda nas fronteiras do desenvolvimento e não é anormal que ajustes sejam feitos”, explica Marcelo.
Cenário positivo
Mesmo com todas as questões, especialistas não estão preocupados com os recalls. “Sempre nos causa algum alarme, mas não deveria ser um tema para gerar preocupação de imediato. É frequente, por exemplo, que o software do celular e do computador sejam atualizados”, explica Leal.
“Atualizações de software são frequentes nestes casos. Muitas vezes porque se descobriu alguma inconsistência, outras vezes porque reescrevendo o código seria possível ter um desempenho melhor do software no computador. Quanto mais software estiver em uso nos veículos, será possível que mais atualizações sejam comuns”, finaliza.
Setzer, apesar de não acreditar que a situação seja motivo de alarme, acredita que esse processo de recalls está longe de acabar. “Ainda teremos muitos recalls por causa de software”, diz.
*Sob supervisão de Ligia Tuon