Pesquisadores da USP investigam vírus sabiá, ressurgido no Brasil após 20 anos
Estudo indica comprometimento significativo do fígado e de órgãos associados à produção de células de defesa em pacientes infectados pelo vírus sabiá
Pesquisadores da Universidade de São Paulo aprofundam as investigações sobre o vírus sabiá (SABV), causador da febre hemorrágica brasileira.
Os estudos conduzidos pelo Instituto de Medicina Tropical (IMT) e pelo Hospital das Clínicas, ambos da Faculdade de Medicina da USP, são realizados a partir do diagnóstico de dois casos de infecção em 2019.
Anteriormente, apenas quatro infecções desse tipo haviam sido detectadas no país, a última delas há mais de 20 anos. Os dois diagnósticos mais recentes foram realizados em meio a um surto de febre amarela na região Sudeste.
“Fizemos esse estudo durante a epidemia de febre amarela, então nos casos em que não conseguimos fechar o diagnóstico, fomos atrás de outros vírus. Para nossa surpresa, achamos esses dois casos, que são extremamente raros”, afirmou a médica Ana Catharina Nastri, da Divisão de Doenças Infecciosas do Hospital das Clínicas, em comunicado.
Segundo a pesquisadora, primeira autora do estudo orientado pela professora Ana S. Levin, do Departamento de Doenças Infecciosas e Parasitárias, os avanços na área de investigação de doenças, especialmente na microscopia eletrônica, permitiram um estudo mais aprofundado sobre o vírus sabiá (Brazillian mammarenavirus).
As novas informações sobre manifestações clínicas, exames de tecidos e órgãos e possibilidade de transmissão hospitalar foram publicadas na revista Travel Medicine and Infectious Disease.
Novos casos
Os dois novos casos detectados ocorreram nas cidades de Sorocaba e Assis, no interior de São Paulo. Os pacientes foram atendidos no Hospital das Clínicas com suspeita de caso grave de febre amarela.
O primeiro foi um homem de 52 anos que havia caminhado pela floresta na cidade de Eldorado (170 quilômetros ao Sul de São Paulo) e passou a apresentar sintomas como dor muscular, dor abdominal e tontura.
No dia seguinte, ele desenvolveu conjuntivite, sendo medicado em um hospital local e depois liberado. Quatro dias depois, foi internado novamente com febre alta e sonolência. Suspeitou-se de febre amarela e ele foi transferido para o Hospital das Clínicas.
Durante a internação, o quadro clínico foi agravado até ele ser transferido para a Unidade de Terapia Intensiva (UTI), dez dias após o início dos sintomas, com sangramento significativo, insuficiência renal, rebaixamento do nível de consciência e hipotensão, vindo a falecer dois dias depois.
O segundo caso é de um homem de 63 anos, trabalhador rural de Assis (440 quilômetros a Oeste de São Paulo), que apresentou febre, dor no corpo, náusea e prostração. Os sintomas pioraram e oito dias depois ele foi admitido no HC com queda do nível de consciência e insuficiência respiratória com necessidade de intubação. Uma disfunção no coração levou ao choque e à morte, 11 dias após o início dos sintomas.
O que apontam as análises
O diagnóstico da infecção foi realizado a partir de uma técnica que envolve o sequenciamento do material genético viral. Na análise das duas infecções, os pesquisadores identificaram sintomas análogos aos registrados nos casos da década de 90.
“A parte clínica é muito parecida com o que já havíamos visto antes e, entre os dois novos casos, a manifestação também foi muito similar”, diz Ana.
O estudo indica que em todos os casos houve um comprometimento significativo do fígado e de órgãos associados à produção de células de defesa, o que pode ter facilitado o surgimento de infecções secundárias, tornando o diagnóstico inicial mais complexo.
Os casos registrados tiveram como ponto em comum infecções ocorridas na zona rural. “Inferimos, baseados nos outros Mammarenavirus da América do Sul, que provavelmente a pessoa se contamina por inalação de partículas virais, talvez de fezes de roedores. Mas isso não está comprovado justamente porque temos pouquíssimos casos descritos”, diz Ana.
A médica ainda alerta que, justamente por se tratar de áreas rurais com menos recursos laboratoriais e de diagnóstico, alguns casos podem não ter sido identificados, dificultando um panorama completo da febre hemorrágica brasileira.
Os cientistas não encontraram infecções por transmissão hospitalar durante o rastreamento de contatos.
“Isso mostra que com as precauções habituais, como máscara, luva, óculos e avental, não houve transmissão, e nos deixa um pouco mais tranquilos em relação ao nosso vírus”, diz Ana. Ela ressalta, entretanto, que ainda não é possível cravar uma conclusão, devido à limitação dos casos avaliados.
Sobre o vírus sabiá
O nome do vírus faz referência ao bairro Sabiá, localizado no município de Cotia, na Grande São Paulo, onde suspeita-se que a primeira vítima tenha sido infectada.
Embora existam vários tipos de Mammarenavirus descritos em diferentes países da América do Sul, o vírus sabiá é característico do Brasil.
“Alguns desses vírus possuem o ciclo viral mais bem conhecidos, já o nosso vírus sabiá possui pouquíssimos dados. Ainda não sabemos qual é o seu reservatório na natureza, a forma de transmissão, e se existiria infecção através do contato inter-humano”, diz a médica.
Anteriormente ao estudo, apenas quatro infecções por SABV haviam sido registradas no país. Os pesquisadores estimam que uma delas ocorreu na cidade de Cotia, em 1990, e outra, na cidade do Espírito Santo do Pinhal, em 1999, ambas localizadas na zona rural do estado de São Paulo.
Nos dois casos, a doença atingiu trabalhadores rurais que morreram devido às complicações da febre hemorrágica. As outras duas infecções, que não evoluíram para a morte, ocorreram em profissionais de laboratório que podem ter sido infectados durante a manipulação do vírus.
(Com informações do Jornal da USP)