Prime Time

seg - sex

Apresentação

Ao vivo

A seguir

    Eleições 2022

    O Brasil que voltou a saber os nomes dos comandantes militares

    Intromissão das Forças Armadas no processo eleitoral remete ao período da ditadura

    Fernando Molica

    A indevida e, mesmo, ameaçadora intromissão das Forças Armadas no processo eleitoral — foram chamadas para apresentar sugestões e não para dar ordens — remete a 1982, quando o eleitor voltaria a escolher governadores pelo voto direto — tempo que ainda era comum usar as palavras “militares” e “eleições” na mesma frase.

    Naquele Brasil presidido por um general — João Baptista de Oliveira Figueiredo — eram muitas as dúvidas sobre até que ponto iria o processo de redemocratização. As ordens do dia divulgadas a cada 31 de março eram lidas com lupa, era preciso desvendar as intenções dos comandantes militares, então ministros.

    Nós, repórteres, sabíamos de cor os seus nomes. Cada vez que ficávamos diante deles tratávamos de questioná-los sobre a abertura, sobre se ex-exilados como Leonel Brizola tomariam posse caso fossem eleitos. Então estagiário da sucursal Rio do “Estadão”, lembro de ter formulado a pergunta mais de uma vez.

    Havia um certo consenso nas redações: os ministros Délio Jardim de Matos (Aeronáutica) e Maximiano da Fonseca (Marinha) eram “liberais”, apoiavam a volta da democracia. Já Walter Pires (Exército) seria mais reticente — os jornais diziam que, quando ficava irritado com a oposição, Figueiredo ameaçava “chamar o Pires”, ou seja, endurecer o regime.

    Maximiano acabaria afastado do ministério depois de elogiar o clima de “ordem e tranquilidade” nos comícios que pediam eleições diretas para presidente.

    Foi um período difícil. Em 1981, já depois da anistia, dois militares da ativa, ligados aos porões da ditadura e contrários à abertura, tentaram praticar um ato terrorista contra jovens e artistas reunidos num show em comemoração ao 1º de maio realizado no Riocentro.

    Uma das bombas que carregavam num Puma (um carro esportivo) explodiu antes. O sargento Guilherme do Rosário morreu e o capitão Wilson Machado, embora gravemente ferido, sobreviveu. Ele e o coronel Job Lorena de Sant’Anna, designado para inventar uma versão fantasiosa para o atentado, seriam promovidos pelo Exército.

    Mas houve eleições para governador. Apesar da tentativa de fraude no processo de apuração, Brizola foi eleito e tomou posse. Em 1984, a ditadura cercou Brasília, pressionou deputados e impediu que houvesse eleições diretas para presidente em 1985.

    A oposição se reorganizou e, graças ao apoio popular e à conquista de votos governistas, conseguiu eleger Tancredo Neves para o Planalto pela via indireta — uma eleição complicada, poluída por ações praticadas por militares ligados à então comunidade de informações, especialmente ao SNI (Serviço Nacional de Informações).

    Tancredo foi eleito, mas, operado de urgência, morreu sem tomar posse. Seu vice, José Sarney — ex-aliado da ditadura — assumiu, convocou a Assembleia Nacional Constituinte que redigiria a Carta de 1988.

    Presidentes passaram a ser eleitos pelo voto direto, políticos de diversos matizes foram escolhidos para o Planalto, dois deles — Fernando Collor de Mello e Dilma Rousseff — acabaram sendo afastados por impeachment.

    Houve muitos problemas: a inflação, que explodira sob Figueiredo (223,9% em 1984), subiu ainda mais, a dívida externa que parecia insolúvel, a pobreza que desafiava governantes, casos de corrupção. Mas foi também o período do Plano Real e da saída do Brasil do mapa da fome.

    Aos trancos e barrancos, a democracia brasileira se consolidou e passa, desde então, por seu período mais longo desde a Proclamação da República.

    Ao, em 2018, publicar no Twitter ameaças veladas ao Supremo Tribunal Federal, que iria votar um habeas corpus que beneficiaria o ex-presidente Lula, o então comandante do Exército, general Eduardo Villas-Bôas, abriu a cortina do passado e revelou que as Forças Armadas não haviam voltado de todo para os quartéis, continuavam a exercer uma espécie de tutela na vida nacional.

    Desde então, nós, jornalistas, passamos a prestar mais atenção nos quartéis, processo que chegaria ao auge com a posse de Bolsonaro. Voltamos a usar as palavras “eleições” e “militares” na mesma frase, a prestar atenção nas ordens do dia de cada 31 de março, a associar oficiais-generais a atividades que deveriam ser restritas ao universo civil, ao poder desarmado, para usar a feliz expressão do ministro Edson Fachin, presidente do Tribunal Superior Eleitoral.

    Mais grave: voltamos a decorar os nomes dos comandantes militares.

    Fotos – Todos os presidentes da história do Brasil

    [cnn_galeria active=”714324″ id_galeria=”714268″ title_galeria=”Veja todos os presidentes da história do Brasil”/]

    Tópicos