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    Prefeitura de Buenos Aires proíbe linguagem inclusiva nas escolas

    Secretaria da Educação diz que a medida visa combater o mau desempenho escolar; entidades criticam a decisão

    Paula Bravo MedinaRubén Correada CNN

    A prefeitura de Buenos Aires, na Argentina, proibiu o uso da chamada linguagem inclusiva nas escolas sob sua jurisdição, proibindo, assim, que certas palavras sejam terminadas com “e”, “@” e “x”.

    Em comunicado oficial, a secretaria de Educação da cidade afirma que “a regra se baseia na premissa de que a língua espanhola oferece várias opções para se comunicar de maneira inclusiva sem a necessidade de deturpá-la”.

    “A medida [é] aplicada apenas ao conteúdo que os professores ditam nas aulas, ao material que é dado aos alunos e aos documentos oficiais dos estabelecimentos de ensino”, explica a pasta.

    As autoridades de Buenos Aires disseram que a proibição da linguagem inclusiva faz parte das medidas para responder ao mau desempenho escolar. Mas a decisão foi recebida com críticas, porque, para muitos, a aparente correlação entre resultados ruins e linguagem inclusiva não é clara.

    “O uso incorreto da língua espanhola faz com que as crianças tenham obstáculos”, disse a secretária da Educação da capital, Soledad Acuña, citada pela agência estatal Télam.

    “Entendemos que a linguagem não é neutra. Por isso estamos distribuindo guias para o uso da linguagem inclusiva para todas as escolas sem distorcer a língua espanhola”, acrescentou.

    Porém, a declaração da secretaria não estabelece que o mau desempenho escolar seja resultado do uso da linguagem inclusiva, e sim que de um contexto geral. O objetivo da resolução, diz a pasta, “é ordenar o uso da linguagem para facilitar o processo de aprendizagem dos alunos, que foi significativamente afetado em decorrência da pandemia de Covid-19”.

    Na semana passada, recorda o comunicado, a Câmara apresentou os resultados das avaliações da Conclusão do Ensino Primário e do Terceiro Ano do Ensino Secundário, “que evidenciam a realidade educativa dos alunos”. A mais afetada, acrescenta, “foi a compreensão leitora, na qual se obteve um resultado médio que mostra um retrocesso de quase quatro anos”.

    Críticas

    Várias das críticas à medida apontam que ela pode levar à discriminação de grupos que não se identificam com um gênero ou outro. Além disso, em espanhol, o gênero masculino é o usado para “designar a classe que corresponde a todos os indivíduos da espécie sem distinção de sexo”, segundo a gramática da Real Academia Espanhola (RAE). Isso, explicam os grupos feministas, exclui as mulheres e é por isso que eles defendem a linguagem neutra, por incluir o final feminino ou por usar o ‘e’ em vez do ‘o’ no final.

    O Sindicato dos Trabalhadores da Educação da Argentina publicou um comunicado criticando a medida.

    “Esta decisão liderada pela ministra Soledad Acuña mostra novamente as intenções de intimidar professores e instituições que constroem espaços de inclusão e respeito a todas as identidades, ao mesmo tempo em que implantam novas formas de violência contra crianças e jovens que não se reconhecem como constitutivos do masculino ou feminino de sua identidade”, escreveram.

    “O que não se nomeia não existe: negar a linguagem às infâncias e adolescentes trans e não binárias constitui um atentado ao direito à identidade de todos e de cada um, e de estar um ambiente em que a diversidade seja respeitada”, acrescenta o sindicato.

    Academia de Letras rebate

    Integrante da Academia Argentina de Letras, Santiago Kalinowski explica que a linguagem inclusiva não tem um propósito acadêmico, mas é um “fenômeno retórico” que “tem ação política”.

    A linguagem inclusiva é usada por alguns grupos feministas e tem sido mais visível na Argentina, por exemplo, em momentos como o debate sobre o aborto, em dezembro de 2020.

    Na ocasião, a Real Academia Espanhola esclareceu em um tweet que “o uso da letra “e” é estranho ao sistema morfológico do espanhol, além de desnecessário, já que o masculino gramatical funciona como um termo inclusivo”.

    Por sua vez, a doutora em Letras Karina Galperín afirma que em suas turmas de 50 alunos “que às vezes são 9 homens e 41 mulheres, é um pouco ridículo continuar usando o masculino”.

    Um ponto diferente dessa discussão foi dado pela escritora e crítica cultural Beatriz Sarlo, que é professora da Universidade de Buenos Aires (UBA) e que não questiona o movimento em prol da linguagem inclusiva, mas alerta que o maior problema é a queda do nível geral de educação do país. Na última sexta-feira (10), em entrevista à “Rádio Perfil”, Sarlo disse que o mais preocupante é o fato de haver “adolescentes que não sabem ler um texto complexo”, como mostram os últimos testes educacionais.

    “Se eles querem aconselhar, não impor, que meninos e meninas aprendam que essa sintaxe de dois gêneros do espanhol é possível, não estou preocupada. O que me preocupa é que, na UBA e na Faculdade de Filosofia e Letras, os parciais são mal escritos, eles não lidam com subordinação complexa”, disse.

    A linguagem, acrescentou, “não é modificada pela lei”, mas é a sociedade que, pouco a pouco, vai dando sentido às novas palavras que vão surgindo. O que a deixa nervosa, disse ela, é que as autoridades “estão lidando com uma linguagem inclusiva” quando metade dos adolescentes está “fora da escola”.

    Além de culpar as autoridades pelo baixo nível educacional, ela destacou que discussões como as da linguagem inclusiva não podem ser vencidas simplesmente com vontade, enquanto “ensinar as crianças a ler e escrever pode ser um exercício de vontade política e eficiência institucional”.

    Secretária nega “caça às bruxas”

    Sobre a medida, a secretária Acuña disse que “não estamos perseguindo nem é uma caça às bruxas; queremos ensinar melhor para que as crianças aprendam”, segundo a agência Télam.

    Acuña também respondeu ao comunicado do sindicato dos professores: “não pedimos permissão aos sindicalistas para tomar decisões sobre questões educacionais, tomamos decisões com base em evidências e consultando especialistas”, disse Acuña, enfatizando que “há maneiras de tornar [as pessoas] visíveis e incluir sem deturpar as convenções da língua espanhola”.

    Por que alguns defendem a linguagem inclusiva?

    Um porta-voz do Stonewall, um grupo de campanha LGBT com sede no Reino Unido, explicou à CNN por que essa linguagem é importante.

    “Conversar com um grupo de pessoas usando uma linguagem neutra em termos de gênero é uma maneira realmente simples e positiva de garantir que todos se sintam bem-vindos e incluídos”.

    Dulcinea Pitagora, psicoterapeuta e terapeuta sexual de Nova York, consultada em 2021 pela CNN, disse que a linguagem é o primeiro passo para aumentar a inclusão.

    Se quisermos ser mais inclusivos, podemos começar “removendo o gênero da linguagem sempre que possível, para treinar nossos cérebros longe do hábito de fazer suposições sobre as pessoas”, disse Pitagora.

    “Identificar-nos em nossos próprios termos e ser reconhecidos com palavras inclusivas faz parte da democratização da linguagem e do orgulho de ser quem somos”, diz Anne-Marie Urban, da Divisão de Gênero e Diversidade do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), que argumenta que a linguagem “evolui” ao longo de nossas vidas e caminhos devem ser buscados para transformar “as palavras em instrumentos de mudança e inclusão”.

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