Com vigilância do STF e decisões contestadas, Tarcísio e Castro dão protagonismo à PM
Governadores Tarcísio de Freitas (SP) e Cláudio Castro (RJ) repetem combo de empoderamento de policiais militares
A ação da Polícia Militar para combater o crime organizado foi uma aposta comum entre o governador do Rio de Janeiro e o de São Paulo.
Substituto de Wilson Witzel, derrubado depois de um processo de impeachment que terminou em abril de 2021, Cláudio Castro (PL) fez da PM uma de suas maiores bandeiras da campanha vitoriosa em 2022.
Quando assumiu o microfone para fazer seu discurso diante de dezenas de jornalistas depois de ser consagrado governador eleito com mais de 58% dos votos no primeiro turno, o político defendeu uma “polícia social”, que fosse sensível aos moradores.
Um ano antes de começar seu segundo mandato, Castro investira R$ 18 milhões na construção de um batalhão da PM em Jacarezinho, na zona Norte. O local – que já tinha a sede do centro integrado da PM – é historicamente território dominado e habitado por chefes do Comando Vermelho.
A estratégia usada por Castro no Jacarezinho e na Muzema, bairro da zona Oeste dominado pela milícia, foi a mesma: a PM em peso nas ruas.
Sob Castro, a Polícia Militar ganhou mais de mil viaturas semi-blindadas, câmeras de reconhecimento facial e kits anti-barricada e aumentos salariais.
Mas há um investimento que merece especial destaque: o aprimoramento tecnológico do Centro Integrado de Comando e Controle.
O caminho trilhado por Castro é exatamente o mesmo escolhido pelo governador de São Paulo.
Na gestão de Tarcísio de Freitas (Republicanos), o Centro de Inteligência da Polícia Militar passou a operar drones e usar softwares estrangeiros como o israelense FirstMile, ponto central da investigação da Polícia Federal sobre a suposta “Abin paralela”.
As decisões de Castro e Tarcísio, no entanto, geraram questionamentos. Sobre as mortes causadas pela PM em São Paulo, Tarcísio sugeriu que não estava “nem aí”. As acusações de abuso foram parar na ONU depois de a Operação Verão, no litoral de São Paulo, terminar com 56 mortos.
As defesas feitas por Tarcísio à PM já tinham sido uma aposta de Castro. “Infelizmente, o enfrentamento é necessário”, “não consigo entender o que moradores estão fazendo em bonde com metralhadoras e granadas às 4h30”, “ninguém vai camuflado pro mangue trocar tiro com a polícia de airsoft”, “a gente não vai deixar que a bandidagem tome conta do Rio de Janeiro” foram algumas das frases do governador.
Já o secretário de Segurança Pública de São Paulo, Guilherme Derrite (PL), teve que recuar e convocar a cúpula da Polícia Civil depois da decisão de permitir à PM fazer termos de investigações de pequenos delitos, tarefa que hoje é exclusiva dos delegados da Polícia Civil no estado. O que era para ser um decreto do governador virou um grupo de estudos de 45 dias.
As decisões de Tarcísio e Derrite foram questionadas pela Associação dos Delegados (Adepol), pelo Sindicato dos Delegados (Sindpesp), e pela OAB. Nessa semana o governo ainda teve que fechar um acordo com o presidente do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso, para a instalação das câmeras em fardas dos policiais.
No Rio de Janeiro, a vigilância do STF sobre a ação das polícias se intensificou em 2021, quando o ministro Edson Fachin disse ver sinais de “execução arbitrária” na operação mais letal da história do estado, que tinha deixado 28 mortos no Jacarezinho.
Um ano depois, em 2022, Fachin exigiu um plano estratégico de Castro para diminuir a letalidade policial.
Empoderada por Castro, a cúpula da PM no estado já questionava o STF pela limitação das operações policiais nas favelas do estado durante a pandemia do coronavírus. As críticas vieram depois da segunda operação mais letal da história do estado, com 23 mortos na Vila Cruzeiro.
Na ocasião, o ministro Luiz Fux disse que o estado precisaria “se explicar”. Fachin também demonstrou preocupação com o sigilo das imagens das câmeras e determinou o uso nas fardas do Bope.
Em São Paulo, o empoderamento da PM de Tarcísio já tinha causado um racha na segurança pública depois de a “Tropa do Derrite” ser convocada para auxiliar o Ministério Público na Operação Fim da Linha, que prendeu empresários e contadores supostamente ligados ao PCC e infiltrados no sistema de transporte público por ônibus.
Tarcísio e Derrite também foram criticados por oficiais depois de uma dança das cadeiras que mudou mais de 30 chefes da Polícia Militar de lugar.
A movimentação foi interpretada por especialistas como ato preparatório para um maior controle da PM e, consequentemente, mais um passo para garantir que a corporação ganhasse mais poderes.
No Rio, o principal ato do governador Cláudio Castro sobre o comando da PM foi em novembro de 2023, com a recriação da Secretaria de Segurança Pública. O escolhido para o posto foi o delegado da Polícia Federal Victor Santos. A promessa foi de integração e inteligência.
Mas agora em abril, o maior impacto desse movimento transpareceu, quando Santos pediu a exoneração do então chefe da PM no estado, o coronel Luiz Henrique Marinho Pires.
O pedido chegou via ofício para a mesa do governador, vazou, virou notícia e fez com que Santos pedisse desculpas a Marinho na posse do sucessor dele, o coronel Marcelo Menezes Nogueira.
Da mesma forma que Castro, a Polícia Militar de Tarcísio também teve o soldo engordado. Em junho de 2023, o governador de São Paulo sancionou uma lei que previa aumento médio de 20% para os policiais.
O pacote de bondades para a corporação, no entanto, não se limitou a isso. Na última semana, o governo sinalizou que deve pagar meio bilhão de reais em bônus para os PMs por produtividade e resultados. Os valores individualmente podem superar R$ 20 mil.
Poder, investimento, salários turbinados, tecnologia de investigação, trocas no comando, equipamentos aprimorados e discurso de respaldo.
A estratégia dos governadores de São Paulo e do Rio de Janeiro ainda tem duas outras ondas para surfar: o movimento punitivista de deputados e senadores – que garantiu a aprovação do PL das saidinhas e da PEC das drogas – e a preocupação generalizada da população brasileira, que deve transformar a segurança pública em uma das pautas centrais das eleições de 2024.