Itamaraty e agronegócio se alinham contra militares e ideológicos durante guerra
Informação foi passada por fontes ligadas ao governo do presidente Jair Bolsonaro (PL)
A guerra na Ucrânia provocou um realinhamento das forças políticas que sustentam o governo do presidente do Brasil, Jair Bolsonaro (PL). O conflito aproximou o Itamaraty do Ministério da Agricultura e os colocou em contraposição contra militares e o que sobrou neste governo da chamada ala ideológica.
O chanceler Carlos França e a ministra Tereza Cristina, segundo fontes do governo, têm conversado praticamente todos os dias sobre o conflito. Nesta quarta-feira (1º) , por exemplo, chegaram a fazer uma reunião não registrada na agenda para tratar do assunto. O tema central foi uma estratégia para evitar que falte fertilizantes no país.
A união tem respaldo em praticamente todo o setor do agronegócio, que tem pedido ao governo e à diplomacia brasileira equilíbrio nas posições com receio de um impacto grande na economia brasileira, que tem a agricultura como eixo essencial. O Itamaraty tem respondido à altura: em todas as conversas tem deixado claro estar claramente sensível às demandas do agro, especialmente quanto à possível dificuldade de abastecimento de fertilizantes e outros insumos vindos das áreas de conflito.
Uma das interfaces dos dois ministérios é o embaixador Alexandre Ghisleni, diretor do Departamento de Agronegócio do Itamaraty. O órgão foi criado pelo governo Bolsonaro em substituição ao antigo Departamento de Produtos de Base justamente para atender às demandas internacionais do agronegócio.
O movimento tem respaldo de ruralistas no Congresso, que têm evitado também posições mais duras contra a Rússia. Em uma nota divulgada nesta quarta-feira pela presidente da Comissão de Relações Exteriores, a senadora Katia Abreu, ex-presidente da Confederação Nacional da Agricultura, defendeu esforços diplomáticos pelo fim do conflito, mas lembrou que “no caso do Brasil, os efeitos da guerra deverão incidir no câmbio, nos combustíveis, nos alimentos e em toda a cadeia do agronegócio”.
O presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, Sergio Souza, segue a mesma linha: “a guerra pode trazer problemas econômicos graves. Quando se faz um embargo, um país não pode comprar e se não pode comprar quais as consequências? A Bielorrússia sofreu um embargo, isso tem consequências para nós. O Irã sofreu um embargo e é um grande mercado nosso. Se acontecer com a Rússia, o que vai acontecer, sendo que grande parte dos fertilizantes vem de lá? Acaba gerando escassez, encarecendo o insumo e o produto final para o consumidor”, disse. Na ONU, o embaixador do Brasil Ronaldo Costa Filho se posicionou contra sanções à Rússia.
Tanto a Comissão de Relações Exteriores do Senado quanto a Frente Parlamentar da Agricultura foram determinantes no movimento que levou a substituição do ex-chanceler Ernesto Araújo por Carlos França.
Araújo e seus aliados, remanescentes da chamada ala ideológica do governo, têm criticado a postura de França e da diplomacia brasileira na guerra da Ucrânia e promovido uma inusitada aliança com os militares, ala com a qual se conflagraram durante a primeira metade do governo.
A ala ideológica considera que o Itamaraty, na prática, adotou uma posição pró-Rússia. Mas, segundo integrantes desse grupo, deixa transparecer que se trata mais de uma posição de Bolsonaro do que da diplomacia brasileira.
Avaliam que a posição do Itamaraty sempre foi pela neutralidade. Dão como exemplo os votos do Brasil sobre leste da Ucrânia e Criméia na época dos governos Dilma Rousseff e Michel Temer. Apontam também que o embaixador da ONU não estaria confortável com as posições manifestadas na ONU. Ronaldo é egresso da gestão Ernesto Araújo, tendo sido nomeado antes mesmo do embaixador do Brasil em Washington, Nestor Foster, muito próximo a Araújo e que também, segundo fontes do governo, estaria também incomodado com a linha adotada.
Dizem ainda que o Itamaraty não teria aceitado o fato de a Ucrânia ter enviado o vice-chanceler e outros oficiais do governo para uma visita com o assessor especial da Presidência da República, Filipe Martins, sem ter se encontrado com a cúpula do Itamaraty. Martins era o braço de Ernesto dentro do Planalto, mas perdeu influência com a substituição do comando da chancelaria brasileira.
Do lado militar, segundo fontes da área, a premissa é a de que a ação da Rússia rompeu princípios basilares do sistema internacional, deixando em aberto a solução militar para pressionar países mais fracos. A principal preocupação é com a Amazônia. Há uma leitura de que se a Rússia conquistar a Ucrânia, estarão abertas as portas para que a China anexe Taiwan e que a Amazônia, área considerada pelas Forças Armadas como essencial para a defesa e a soberania nacional, fique vulnerável.
Há ainda outros fatores. O ministro da Defesa, Braga Netto, por exemplo, foi adido do Exército nos Estados Unidos e na Polônia, o que teria influenciado sua visão mais anti-soviética do mundo. O mesmo com o ministro do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno, que começou a atuar no governo ainda no regime militar, alinhado aos americanos.
Também há nas Forças Armadas um incômodo com uma transação feita no governo Lula com os russos: a compra de 12 helicópteros de ataque Mi-35M. Uma alta fonte militar disse à CNN que as aeronaves apresentaram grandes dificuldades de manutenção, tanto que a Força Aérea Brasileira irá desativá-los. Os Estados Unidos ainda são o principal país com que as Forças têm intercâmbio.