Presidente de Taiwan confirma presença de instrutores militares dos EUA na ilha
Em entrevista exclusiva à CNN, Tsai Ing-wen diz que ameaça da China aumenta 'a cada dia'; ela defende, no entanto, um diálogo entre Taipei e Pequim
A líder de Taiwan, ilha empurrada para o centro das tensões crescentes entre os Estados Unidos e a China, disse que a ameaça de Pequim cresce “a cada dia” e, pela primeira vez, confirmou a presença de tropas norte-americanas em solo taiwanês.
Falando à CNN em uma entrevista exclusiva, a presidente Tsai Ing-wen disse que Taiwan, que fica a menos de 200 quilômetros de distância da costa sudeste da China, é um “farol de democracia” que precisa ser defendido para manter a fé em todo o mundo nos valores democráticos.
“Esta ilha de 23 milhões de pessoas está se esforçando todos os dias para se proteger e proteger a democracia e garantir que o povo tenha o tipo de liberdade que merece”, disse ela.
“Se falharmos, isso significa que as pessoas que acreditam nesses valores duvidarão se esses eles são valores pelos quais eles deveriam lutar.”
Taiwan e a China continental são governadas separadamente desde que os nacionalistas se retiraram para Taiwan no final da guerra civil chinesa, há mais de 70 anos.
Taiwan é agora uma democracia florescente, mas o governante Partido Comunista Chinês (PCC) continua a ver a ilha como uma parte inseparável de seu território – apesar de nunca tê-la controlado.
Hoje, as relações entre Taipei e Pequim estão em seu ponto mais baixo em décadas. No início deste mês, os militares da China enviaram um número recorde de aviões de guerra para os arredores de Taiwan, enquanto diplomatas e a mídia estatal alertavam sobre uma possível invasão, a menos que a ilha seguisse a linha do PCC.
As demonstrações de força são, em parte, resultado do fortalecimento dos laços entre Taiwan e os Estados Unidos sob os governos dos presidentes Donald Trump e Joe Biden.
Grandes vendas de armas e visitas de autoridades norte-americanas do alto escalão reforçaram a posição internacional de Taiwan e a hostilização de Pequim.
Na entrevista à CNN, Tsai se tornou a primeira presidente de Taiwan em décadas a reconhecer a presença de tropas norte-americanas na ilha para fins de treinamento.
A última guarnição oficial dos EUA partiu em 1979, ano em que Washington mudou o reconhecimento diplomático formal de Taipei para Pequim, embora reportagens da mídia no ano passado tenham sugerido pequenos destacamentos.
Os militares dos EUA postaram e apagaram um vídeo no início de 2020 que mostrava as Forças Especiais do Exército dos EUA treinando soldados em Taiwan. Em novembro de 2020, o Ministério da Defesa de Taiwan anunciou e depois negou à mídia local que as tropas norte-americanas estavam treinando soldados na ilha.
Tsai não disse exatamente quantos militares norte-americanos estão na ilha no momento, mas disse que “não são tantos quanto as pessoas pensavam”.
“Temos uma ampla gama de cooperação com os EUA com o objetivo de aumentar nossa capacidade de defesa”, disse ela.
Aumento das tensões China-Taiwan
Ex-negociadora comercial e professora de direito, Tsai se tornou a primeira mulher presidente de Taiwan em 2016, uma vitória histórica que ocorreu depois de grandes protestos estudantis na ilha contra a decisão de seu antecessor nacionalista de estreitar os laços com a China continental.
Quando Tsai levou a CNN para um passeio por Taipei no início desta semana, centenas de cidadãos locais acenaram e gritaram para ela, agradecendo por seu trabalho árduo e pedindo para posar para selfies.
Mas a presidência de Tsai foi implacavelmente atacada e ridicularizada do outro lado do Estreito de Taiwan – desde que assumiu o cargo, as relações entre Pequim e Taipei se deterioraram rapidamente.
O governo chinês acredita que Tsai e o Partido Democrático Progressivo são a favor da independência formal de Taiwan, apesar de suas declarações públicas favorecendo o status quo – um arranjo pelo qual Taiwan permanece autogovernado, sem uma declaração oficial.
Os laços econômicos e diplomáticos com a China, desenvolvidos em governos anteriores, se desgastaram, e os militares chineses aumentaram sua pressão na ilha.
Só nos primeiros cinco dias de outubro, Pequim enviou um total de 150 caças, bombardeiros com capacidade nuclear, aeronaves anti-submarinas e aviões aerotransportados de controle e alerta para a Zona de Identificação de Defesa Aérea de Taiwan, de acordo com o Ministério da Defesa da ilha.
Foi uma demonstração de força cuidadosamente executada pelo governo chinês – voar por áreas onde provocaria uma resposta de Taiwan, mas sem entrar no espaço aéreo da ilha.
As manobras ocorreram depois de mais sinais de aquecimento dos laços EUA-Taiwan, incluindo uma venda de armas de US$ 750 milhões anunciada por Washington em agosto e uma declaração do grupo de política externa Quad, liderado pelos EUA, em favor do apoio à ilha no mesmo mês.
Em um importante discurso em 8 de outubro, o presidente chinês, Xi Jinping, novamente prometeu “reunificação pacífica” entre Taiwan e o continente.
Embora ele não tenha feito menção a uma invasão no discurso, Xi já se recusou anteriormente a descartar uma ação militar.
Um porta-voz chinês do Escritório de Assuntos sobre Taiwan confirmou na quarta-feira (27) que Pequim se reserva o direito de usar a força para buscar a “reunificação”.
Presidente de Taiwan está aberta a negociações com a China
Embora uma introvertida confessa, Tsai é uma defensora apaixonada de sua ilha e uma defensora feroz de seu povo.
No Dia Nacional de Taiwan, em 10 de outubro, em resposta à crescente ação militar chinesa, a presidente disse que Taiwan não poderia ser forçada a seguir “o caminho que a China traçou”.
“Não deve haver absolutamente nenhuma ilusão de que o povo taiwanês se curvará à pressão”, disse ela.
Falando à CNN na terça-feira (26), Tsai apelou aos parceiros democráticos regionais, incluindo Japão, Coreia do Sul e Austrália, para ajudar a apoiar a ilha.
“Quando os regimes autoritários demonstram tendências expansionistas, os países democráticos devem se unir para enfrentá-los. Taiwan está na linha de frente”, disse ela.
Quando os regimes autoritários demonstram tendências expansionistas, os países democráticos devem se unir para enfrentá-los. Taiwan está na linha de frente
Tsai Ing-wen, presidente de Taiwan
Tsai foi reeleita em 2020 com uma porcentagem maior de votos e como parte de seu segundo mandato, ela disse à CNN que queria modernizar rapidamente as forças armadas de Taiwan.
Em agosto, Taiwan anunciou que gastaria US$ 1,4 bilhão em novos caças, provavelmente F-16. Em dezembro de 2020, os militares da ilha começaram a construir uma frota de oito submarinos produzidos no país.
Tsai disse à CNN que o governo precisava adequar melhor seus militares para defender uma pequena ilha, em vez de uma força de combate convencional.
“Temos um sistema que é herdado da China, que é um país muito diferente… A maneira como você defende um grande pedaço de terra é diferente da maneira como você protege uma pequena ilha, então temos que mudar o pensamento tradicional sobre como um Exército deve ser estruturado “, disse ela.
No entanto, Tsai acrescentou que não estava abandonando a possibilidade de melhorar as relações com Pequim, dizendo que se sentaria com o líder chinês Xi para conversas – se ele quisesse.
“Eu o encorajaria a ter mais diálogo com o governo e as pessoas aqui em Taiwan, e a ter uma ideia melhor de como é em Taiwan… E, claro, faríamos mais em termos de compreensão da situação na China”, disse ela.
“Nós dissemos repetidamente que queremos ter um diálogo com a China e esta é a melhor maneira de evitar mal-entendidos, erros de cálculo e erros de julgamento na gestão das relações através do Estreito”, acrescentou ela.
‘EUA viriam em nossa defesa’
Não existem tratados entre os Estados Unidos e seus parceiros regionais que garantam assistência a Taiwan em caso de ataque. Mas com o aumento das tensões entre Taipei e Pequim, alguns países expressaram apoio à ilha.
O ministro da Defesa do Japão, Nobuo Kishi, disse à CNN em uma entrevista em meados de setembro que “o que está acontecendo em Taiwan está diretamente ligado ao Japão”, e Tóquio responderia a qualquer ameaça à segurança das rotas comerciais na região.
Em um encontro organizada pela CNN na quinta-feira (21), o presidente dos EUA, Joe Biden, foi firme quanto à questão de se os EUA defenderiam Taiwan no caso de uma invasão chinesa.
“Sim, temos o compromisso de fazer isso”, disse ele. A Casa Branca depois minimizou seus comentários e, falando à CNN, Tsai disse que as pessoas têm “interpretações diferentes” do que o presidente dos Estados Unidos quis dizer.
No entanto, Tsai disse acreditar que, se Taiwan for atacada pela China continental, os Estados Unidos e outras democracias regionais virão em sua ajuda, “dada a relação de longo prazo que temos com os EUA”.
“Taiwan não está só porque somos uma democracia, respeitamos a liberdade e somos amantes da paz. E compartilhamos valores com a maioria dos países da região e geograficamente somos de importância estratégica”, disse ela, apontando para o papel de liderança da ilha na cadeia global de suprimentos de semicondutores e acrescentando que as potências regionais tinham um “interesse comum” em manter a ilha segura.
Quando questionada se Taiwan poderia se defender sem ajuda militar, Tsai disse que a ilha se defenderia “enquanto pudesse”. “Mas deixe-me reiterar, é importante que tenhamos o apoio de nossos amigos, e também de países com interesses semelhantes.”
A defesa de Taiwan não envolve apenas o poderio militar. Como parte do crescente apoio dos EUA a Taiwan, Washington começou a pressionar por uma maior participação de Taipei em órgãos internacionais de governo, especialmente as Nações Unidas.
O secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, disse em seu Twitter oficial na segunda-feira (25) que Taiwan foi um “parceiro crítico e uma história de sucesso democrática” e pediu que tenha um papel maior na ONU.
Pequim, que assumiu a cadeira de Taipei na ONU em 1971, desde então teve sucesso em espremer a ilha do cenário internacional.
Tsai disse que há muito tempo todos os lados da política de Taiwan desejam que a ilha desempenhe um papel mais importante na ONU. Mas ela disse que não estava preocupada em agravar a situação Pequim.
“Expressamos nossa esperança de que queremos fazer parte do sistema da ONU. E a China tem sua história para contar. E cabe à comunidade internacional julgar”, disse ela.
‘Com Xi, China está mais ambiciosa’
O tempo de Tsai no cargo coincidiu com a ascensão de uma Pequim mais assertiva, com Xi sendo considerado o líder chinês mais poderoso em décadas.
Desde 2017, durante seu segundo mandato no poder, Xi começou a mudar a forma como a China se posiciona globalmente. As forças armadas do país ficaram maiores e mais avançadas, com a frota naval da China ultrapassando a dos EUA em termos de tamanho.
Nesta semana, Xi disse em uma conferência que os militares precisavam “abrir novos caminhos” no desenvolvimento de armas.
Ao mesmo tempo, os objetivos da política externa de Xi levaram à promoção de diplomatas ferozmente nacionalistas, conhecidos como “guerreiros lobos”, dentro do Ministério das Relações Exteriores, que estão dispostos a defender abertamente as posições da China em questões altamente controversas e delicadas – com Taiwan, muitas vezes sendo chamada de a mais vermelha das “linhas vermelhas” de Pequim.
Tsai disse que reconhece a ameaça do vizinho cada vez mais poderoso da ilha. “(Eles estão) mais ambiciosos e mais expansionistas. E, portanto, coisas que eram aceitáveis para eles, podem não ser aceitáveis agora”, disse ela.
A democracia às vezes é caótica. É confusa, conflituosa, mas no final, você encontra a melhor forma de governar, a melhor forma de estabelecer uma ordem social para que as pessoas possam viver juntas pacificamente
Tsai Ing-wen, presidente de Taiwan
No entanto, Tsai disse acreditar que os dois governos ainda podem viver juntos em paz, apesar das diferenças em seus sistemas políticos.
“Podermos sentar e conversar sobre nossas diferenças e tentar fazer arranjos para que possamos coexistir pacificamente? Acho que essa é a expectativa do nosso povo aqui, e do povo na China, assim como do povo da região”, disse.
Tsai afirmou que está chegando a hora de o Partido Comunista Chinês decidir que tipo de relacionamento deseja ter com a região e com o resto do mundo.
“Xi quer ter uma relação pacífica com todos na região ou no mundo, ou ele quer estar em uma posição dominante para que todos o ouçam, ouçam a China?, questionou.
Tsai não perdeu as esperanças da implementação de um sistema democrático na China, apesar dos movimentos em direção a um maior controle autoritário sob Xi.
“A democracia às vezes é caótica. É confusa, conflituosa, mas no final, você encontra a melhor forma de governar, a melhor forma de estabelecer uma ordem social para que as pessoas possam viver juntas pacificamente”, disse ela.
Por lei, Tsai só pode cumprir dois mandatos, mas, com apenas dois anos e meio restantes no cargo antes de deixar o cargo, em janeiro de 2024, ela ainda tem muito a fazer.
Suas prioridades incluem conectar Taiwan ao mundo e proteger sua comunidade contra as tentativas de outros governos de dividi-la.
Tsai disse que espera ser lembrada como uma líder que deixou seu povo mais”unido.
“Espero que eles se lembrem de mim como alguém que fez o máximo esforço para proteger este lugar, para torná-lo mais seguro e resistente”, disse ela.
Gladys Tsai contribuiu para esta reportagem
(Texto traduzido; leia o original em inglês)