Primeira afegã nas Olimpíadas diz que mulheres não vão desistir de direitos
Friba Rezayee fez história ao competir nas Olimpíadas de Atenas, em 2004
Friba Rezayee fez história em 2004 quando se tornou uma das duas primeiras mulheres afegãs a competir nos Jogos Olímpicos. Quando a judoca competiu em Atenas, seu pai e um dos seus irmãos disseram que era como se ela tivesse “dado o primeiro passo na Lua”.
Não foi um momento especial apenas para Rezayee, foi um marco para todas as mulheres no Afeganistão. A judoca agora é símbolo de uma sociedade que, apesar de longe de ser perfeita, estava finalmente mudando.
Mulheres tinham mais oportunidades, e o futuro, após anos de governo Talibã na década de 90, quando os direitos humanos básicos foram tirados delas, parecia mais promissor.
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Mas agora o talibã voltou ao poder no Afeganistão e Rezayee teme que o progresso feito na vida das mulheres nos últimos 20 anos será perdido.
Líderes talibãs expressaram estarem comprometidos com uma “anistia geral” para todos os afegãos, incluindo militares e tradutores, mas Rezayee acredita que o futuro será desolador para as mulheres no país.
“Depois que eles se estabelecerem, que o governo estiver consolidado, eles irão atrás das pessoas que falaram contra eles”, a atleta de 33 anos disse para a CNN. “As mulheres que foram para a escola, as mulheres que foram para universidades e as mulheres que praticaram esportes”.
Nascida e criada no Afeganistão, Rezayee se mudou para o Canadá como refugiada em 2011 e criou uma organização beneficente, “Líderes Mulheres de Amanhã”, que defende o direito de mulheres no Afeganistão.
Outra iniciativa, a GOAL (Garotas do Afeganistão Lideram, na sigla em inglês), ajuda judocas mulheres a representarem o seu país ao redor do mundo.
Desde que o Talibã tomou a capital do país, Cabul, Rezayee diz que as mulheres com quem trabalha temem por suas vidas. “Eu estou em contato com elas todos os dias. Elas me mandam mensagens de partir o coração”, disse.
“Recentemente, as atletas mulheres afegãs visitaram o dojo. Eles seguravam a mão uma das outras. Eles se abraçavam. Elas também beijaram os tatames, pois sabiam que seria o último dia que os veriam e o último dia de sua liberdade”.
“Elas estão me mandando mensagens, implorando pelas suas vidas, por sua segurança. Todas as líderes mulheres, ativistas dos direitos humanos ou do direito das mulheres querem fugir do país. Elas querem fugir do Talibã por motivos óbvios”.
“Um movimento por liberdade e pela vida”
Rezayee diz que ainda se lembra da opressão e brutalidade do “inimaginável” regime Talibã. Ela fugiu para o Paquistão com a sua família após o início do primeiro regime do grupo em 1996, mas voltou para o país após a invasão dos EUA em 2001 com o objetivo de aproveitar ao máximo a sua nova vida.
Foi no Paquistão que ela disse ter se apaixonado pelo boxe. Ela se lembra de assistir o peso-pesado Mike Tyson em uma pequena televisão e ter sido inspirada por Laila Ali, filha do lendário Muhammad Ali. “Eu me apaixonou pelo quão poderosa Laila era, como era um ícone. Eu queria fazer a mesma coisa”, disse Rezayee.
Após o seu retorno ao Afeganistão, ela entrou uma escola só para garotas e começou a treinar com um técnico de boxe, sentindo-se empoderada pelo esporte. “Nas últimas duas décadas, mulheres afegãs trabalharam tão duro, elas tiveram tantas conquistas”, afirmou. “Mulheres foram para a escola, mulheres se candidataram, mulheres comandaram negócios. Pense em algo, as mulheres afegãs fizeram”
Descobrindo o judô
Mas nem todas as partes da sociedade afegã estavam prontas para aceitar a liberdade das mulheres. Rezayee disse que começou a receber ameaças de morte e seu técnico afirmou que era perigoso demais seguir treinando-a. Ela a colocou em contato com outro técnico, que a apresentou o judô.
Com a ajuda de uma associação de caridade, ela se apaixonou com a disciplina da arte marcial e treinou ao lado de outras duas garotas – as únicas mulheres a lutarem judô no país, ela afirma.
“Era muito perigoso, pois a sociedade não estava pronta para ver atletas mulheres naquele momento. Eles estavam ainda saindo do regime horrível do Talibã. Era extremamente perigoso, mais eu treinava duro. Eu não me importava com o estigma social, com o que os meus parentes e a sociedade diziam”.
Após competir localmente, Rezayee foi escolhida para representar o país nas Olimpíadas de Atenas, em 2004. Ela era uma das únicas duas afegãs a competirem na Grécia – a outra foi a velocista dos 100m Robina Muqim Yaar -, mas o calendário do judô garantiu que Rezayee fosse a primeira afegã a competir oficialmente.
Ela enfrentou uma espanhola quatro vezes campeã mundial e perdeu na primeira rodada. De toda forma, deixou uma marca inegável na história afegã.
“Eu não venci, fiquei muito triste. Eu liguei para o meu pai e irmão mais velho no Afeganistão e pedi desculpas por decepcioná-los. Meu pai e meu irmão disseram: ‘não se preocupe, você não venceu, mas fez história’”, contou.
Mesmo assim, Rezayee afirma que foi obrigada a se esconder por alguns meses após o seu retorno ao Afeganistão. Segundo ela, fundamentalistas “queriam a sua cabeça”, além de temer pela segurança de sua família.
Após uma tragédia familiar em 2005, ela fugiu para o Paquistão novamente, até buscar refúgio no Canadá em 2011. “Eu queria mostrar ao patriarcado afegão que mulheres podem ser iguais aos homens, que podem participar. Eu também queria que as competições femininas, os direitos das mulheres, fossem bem normais no olhar deles. Que o mundo visse que há mulheres no Afeganistão e elas praticam esportes”.
Nós vamos nos tornar um grupo de resistência
Assistir as notícias dos últimos dias devastou Rezayee. Ela diz temer o que o novo regime pode fazer. Apesar dos pronunciamentos públicos do Talibã, ela não acredita que eles mudaram. Ela pede que os líderes mundiais derrubem o novo governo.
De modo mais positivo, ela acredita que ainda há uma chance das mulheres representarem o Afeganistão em Olimpíadas futuras. Ela trabalha em um projeto para enviar judocas para os Jogos de Paris em 2024.
Em um comunicado enviado para a CNN, o Comitê Olímpico Internacional (COI) afirmou “estar monitorando a situação e estar em contato com a comunidade esportiva no Afeganistão”. A CNN também entrou em contato com o Comitê Olímpico afegão, mas não obteve resposta.
Apesar do caos e imagens traumáticas vindas do país na última semana, Rezayee ainda tem esperança. “Minha mensagem para as mulheres afegãs é que sigam fortes. Isso é um pesadelo, mas pesadelos não duram muito”.
“Nós vamos superar isso. No mínimo vamos nos tornar um grupo de resistência. Nós vamos lutar pelos nossos direitos não importa como”
“Nós perdemos os nossos direitos nos anos 90, não vamos deixar isso ocorrer de novo. Fiquem fortes, fiquem em contato. Fiquem inteligentes. Eu acredito em paz. Paz, prosperidade e direitos humanos vão prevalecer”.
“Estamos morrendo por paz”