Pequim aprova lei que restringe participação da oposição em Hong Kong
Nova legislação fortalece ainda mais o poder de Pequim; para Carrie Lam, líder de Hong Kong, a mudança ‘melhora o sistema' e abre espaço para 'patriotas'
O governo da China aprovou uma lei que restringe drasticamente o direito dos cidadãos de Hong Kong de se candidatarem. A medida fortalece ainda mais o poder de Pequim sob um território que, supostamente, é semiautônomo.
Em uma decisão unânime – e nada surpreendente – nesta terça-feira (29), o comitê permanente do Congresso Nacional do Povo, o parlamento da China, endossou propostas de mudanças na forma como os legisladores de Hong Kong e o líder da cidade são escolhidos.
Antes dessas mudanças, a legislatura de 70 assentos de Hong Kong era mais ou menos dividida entre assentos eleitos diretamente pelo povo e os chamados ‘constituintes funcionais’, assentos escolhidos por órgãos comerciais e industriais – estes geralmente aliados de Pequim.
Em teoria, partidos de oposição poderiam ser maioria, já que poderiam ocupar quase todas as cadeiras eleitas e algumas das chamadas constituintes funcionais. No entanto, isto não é mais possível.
No novo sistema, a legislatura se expandirá para 90 assentos, sendo 40 deles escolhidos por um Comitê Eleitoral recém-nomeado com maioria indicada pelo governo. Os constituintes funcionais controlarão 30 cadeiras, enquanto apenas 20 serão eleitos diretamente pelo público.
Desde que Hong Kong foi entregue ao domínio chinês em 1997 este é o menor número de cadeiras com líderes escolhidos pelo povo.
Aqueles que desejam concorrer a essas cadeiras enfrentarão outro obstáculo: os candidatos devem obter indicações de cada um dos cinco setores da Comissão Eleitoral, algo que pode ser impossível para todos que almejam um cargo.
Neste sistema, o Comitê Eleitoral, composto em sua maioria por figuras pró-Pequim, também será reformado. Os 117 assentos dados anteriormente aos vereadores distritais – eleitos diretamente pelo público – serão eliminados em favor dos cargos indicados pelo governo.
Autoridades chinesas e de Hong Kong descreveram as mudanças na lei como necessárias para garantir que “patriotas governem Hong Kong”.
A medida se deu logo após os longos, e muitas vezes violentos, protestos antigovernamentais de 2019 e a implantação da lei de segurança nacional no ano passado, que proíbe a secessão, subversão e conluio com forças estrangeiras.
A lei de segurança, inclusive, já teve um efeito marcante na política da cidade. Quase todos os legisladores e ativistas pró-democracia foram presos por supostas violações após participarem de uma eleição primária antes das eleições legislativas planejadas em setembro passado.
A esperança dos organizadores das primárias era concentrar votos em quem tivesse mais chances de chegar no Legislativo.
A estratégia poderia fazer com que a maioria da oposição conseguisse alterar o plano orçamentário do governo e talvez até obrigar a presidente-executiva, Carrie Lam, a renunciar.
Promotores argumentaram que essas propostas eram consideradas subversão e prenderam quase todos os envolvidos nas primárias. Muitos foram sentenciados a até dez anos de prisão, sepultando assim suas carreiras políticas.
As eleições não ocorreram por conta da pandemia do coronavírus e provavelmente serão adiadas novamente, após as mudanças aprovadas por Pequim.
Quando finalmente ocorrerem, pode ser que não haja oposição, agora que há poucas lideranças que não foram presas. Ainda dentro desta porcentagem, apenas um ou outro nome seria aprovado pelos membros do Comitê Eleitoral.
Posicionamento de Lam e críticas dos Estados Unidos
A líder de Hong Kong, Carrie Lam, disse que “não existe um padrão internacional de democracia. Cada democracia deve olhar para o contexto adequado daquele país ou lugar em particular”.
“Estamos melhorando o sistema eleitoral, garantindo que quem quer que governe e administre Hong Kong no futuro seja alguém que ame o país, que ame Hong Kong”, acrescentou.
Os Estados Unidos descreveram a ação de Pequim como um “ataque à democracia em Hong Kong”.
O secretário de Estado Antony Blinken disse em um comunicado que as mudanças no sistema eleitoral foram “um ataque direto à autonomia prometida às pessoas em Hong Kong sob a Declaração Conjunta Sino-Britânica”, que governou a transferência da cidade do domínio britânico para o chinês e que eram contrários ao espírito da Lei Básica, ou seja, a própria constituição de Hong Kong.
“Essas ações negam aos cidadãos de Hong Kong uma voz de seu próprio governo, limitando a participação política, reduzindo a representação democrática e sufocando o debate político”, acrescentou Blinken.
“As ações de Pequim também vão contra o claro reconhecimento da Lei Básica, de que as eleições de Hong Kong devem progredir em direção ao sufrágio universal”, finalizou.
(Este texto é uma tradução. Para ler o original, em inglês, clique aqui.)