PEC 50 de 2023: uma resposta antidemocrática e inconstitucional
Após a efetividade do Supremo Tribunal Federal (STF) no combate aos atos antidemocráticos praticados em 8 de janeiro passado, com alguns dos autores já julgados e condenados, a discussão se instalou em torno de propostas legislativas em tramitação que objetivam “limitar” a atuação da Corte Constitucional, como se tais medidas pudessem refletir alguma espécie de resposta ao protagonismo do Supremo Tribunal no cenário político nacional.
No ponto, essencial destacar que duas dessas proposituras não são recentes.
A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 8 de 2021, pronta para ser submetida à votação do Plenário no Senado Federal, fixa prazos aos pedidos de vista nos julgamentos colegiados de todo o Poder Judiciário, amplia hipóteses de necessidade do quórum qualificado previsto no art. 97 da Constituição Federal (CF) também para as decisões cautelares que afetem políticas públicas ou criem despesas para os demais poderes ou que suspendam a eficácia de leis e atos normativos com efeitos erga omnes, atos dos presidentes dos demais poderes ou a tramitação de proposições legislativas.
Ademais, fixa prazo para o julgamento de mérito quando haja deferimento de medida cautelar em ações de controle concentrado de constitucionalidade e veda a concessão de decisões monocráticas em determinadas matérias. A proposta tem origem no texto na PEC nº 82, de 2019, que foi rejeitada pelo Plenário, e algumas de suas disposições já foram objeto da Emenda Regimental 58 de 2022 que alterou o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.
Ainda na linha de proposituras anteriores, o projeto de lei (PL) nº 816, também de 2021, que aguarda designação de relator na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal, objetiva alterar a Lei nº 8.038/1990, para determinar a submissão, ao órgão colegiado, de decisões monocráticas proferidas por ministro do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça que declarem a nulidade de ato praticado em processo penal.
Além de as propostas referidas serem de 2021, tratam, ambas, de matérias que, aparentemente, não encontram óbice constitucional para serem deliberadas e, eventualmente, modificadas.
Diversa, porém, é a PEC 50, apresentada em 27 de setembro de 2023, que inclui no rol da competência exclusiva do Congresso Nacional fixada no art. 49 da CF, o ato de deliberar sobre projeto de Decreto Legislativo, diga-se de passagem, de autoria do próprio Congresso, que objetive “sustar decisão do Supremo Tribunal Federal que tenha transitado em julgado, e que extrapole os limites constitucionais”. Aqui, parece haver, sim, uma pretensão de “resposta” ao protagonismo do STF.
A possibilidade de crítica e contestação é inerente à democracia, lembrando, porém, que Constituição Federal é, e sempre será, o limite. No Brasil, o exercício do poder é marcado por uma divisão tripartite de suas funções entre os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário.
Essa divisão de funções do poder objetiva essencialmente obstar a tirania, assegurar as liberdades e é um postulado exitoso do constitucionalismo que, embora seja dinâmico e sofra ajustes ao longo do tempo, tem como eixo a própria limitação do poder.
No nosso sistema constitucional, a regra é a vedação da delegação das funções orgânicas do Estado, de maneira que um órgão estatal não pode atribuir a outro as funções que lhe são conferidas como típicas, salvo exceções expressamente previstas na Constituição Federal. Da mesma forma, não podem os órgãos estatais tomarem para si a competência uns dos outros.
O STF tem por atribuição constitucional a função –fundamental– de guardião da Constituição Federal, portanto, tem status de Corte Constitucional e é um dos pilares da democracia, na medida que não lhe cabe apenas a análise formal de constitucionalidade, mas também a aferição da compatibilidade do Direito efetivo com a essência da Constituição Federal.
Essa competência constitucional do STF se traduz em verdadeiro mecanismo de limitação do Poder Público, seja no controle dos atos do Poder Executivo, seja na correção de equívocos, omissões e distorções do Poder Legislativo, ou ainda na garantia das minorias e dos direitos fundamentais, em harmonia com a jurisprudência.
Dessa forma, pretender atribuir ao Congresso a prerrogativa de suspender uma decisão transitada em julgado do STF ao argumento de extrapolar os limites fixados pela Constituição Federal, cujo guardião é o próprio STF, reflete flagrante usurpação de competência constitucional, além de afrontar brutalmente o Estado Democrático e de Direito.
Na nossa tão cara construção democrática, a PEC 50 de 2023 é uma resposta, mas parece ser mal-intencionada e inconstitucional.
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