Jornalistas relatam rotina na prisão na Venezuela; 79 foram detidos em 2019
O número é 36% maior do que no ano anterior, segundo o levantamento da ONG Espacio Público; cerca de 40 jornalistas venezuelanos vivem no Brasil como refugiados
Em 2019, 79 profissionais de imprensa foram presos ou detidos pelas forças de segurança do estado enquanto trabalhavam. O número é 36% maior do que no ano anterior, segundo o levantamento da ONG Espacio Público.
O repórter cinematográfico Jesús Medina foi preso pelas forças de segurança do país e ficou mais de um ano em um presídio famoso no país por abrigar presos políticos como o líder da oposição Leopoldo Lopez.
Depois de ser solto, o jornalista passou a viver em diferentes endereços da capital Caracas, para tentar escapar da vigilância do governo.
“Me prenderam por conta de uma reportagem em que eu denunciei as condições de abuso em um presídio do país. Na prisão a situação era horrível. Eu queria me suicidar. Por quê? Porque eu não aguentava mais a pressão. Eu achava que não iria sair de lá”, conta Medina.
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A prisão do jornalista Victor Ugas foi um dos casos mais emblemáticos e de repercussão no país. O profissional de imprensa praticamente sumiu e só apareceu quase um mês depois. A família já tinha perdido a esperança que ele estivesse vivo. Ugas havia sido preso por homens da Guarda Nacional Venezuelana e levado para um calabouço, sem qualquer informação.
“Foi bastante forte porque me levaram e não pude falar com meus familiares, com advogado… Não me apresentaram em um tribunal, me levaram para um calabouço e eu fiquei 28 dias sem saber absolutamente de nada, nenhum funcionário falava comigo, foi bastante forte”, disse ele.
Depois de muita pressão até da Corte Internacional de Direitos Humanos, Victor Ugas foi solto.
“Não tínhamos ideia de onde ele estava e foi muito desesperador porque não tínhamos absolutamente nada de informação sobre onde ele estava e na minha mente só se passava o pior, porque não tínhamos notícias”, disse a esposa, Skarlyn Duarte.
A mãe da estudante Valéria Márquez, a jornalista Ana Belén, foi presa depois que a polícia fechou o site de notícias em que ela trabalhava no final do ano passado. Ela e outros jornalistas da mesma empresa foram acusados de divulgação imprópria de dados, obstrução da administração da justiça e associação para cometer crimes.
Ela conta que a mãe era a responsável pelo sustento de toda a família e que, por conta da prisão, ela e a avó passaram a sofrer com a falta de recursos financeiros e teve que lagar os estudos para trabalhar.
“Faz falta para tudo, porque além de ser ela quem trabalhava para botar comida dentro de casa, era ela também quem resolvia tudo. Que cuidava da gente, da casa”, lamenta.
Ana Belén foi solta no mês de maio, cinco meses depois de ter sido presa. A CNN a procurou para ouvir seu relato, mas a jornalista está proibida pela justiça de dar declarações.
“Progressivamente estão acurralando os direitos de expressão e informação com uma serie de políticas para promover uma hegemonia da comunicação por parte do estado, diz Rafael Uzcátegui, coordenador da Provea, Programa de Educação em Direitos Humanos Ação Venezuelana.
Mídia fechada, jornalistas desempregados
Só no ano passado, 27 estações de rádio, 4 canais de televisão, 2 jornais impressos e 2 portais de notícias foram fechados, total de 35 veículos de comunicação.
As empresas tiveram que encerrar suas atividades, seja porque não tiveram as concessões renovadas ou se afundaram numa crise financeira.
“um dos detalhes fundamentais para que o mundo entenda o que está se passando na Venezuela é praticamente a desaparição de muitos meios de comunicação”, diz o secretário geral do Colegio Nacional de Periodistas, Edgar Cárdenas.
Quem não fechou teve que se adaptar à nova realidade. O El Nacional, maior jornal impresso do país, deixou de circular em versão impressa e agora só funciona via internet. Antes, o jornal empregava mais de 1,3 mil funcionários e agora, só restaram 237.
Há dois anos, o parque gráfico que chegou a produzir 300 mil exemplares aos finais de semana, considerada a maior e mais moderna da Venezuela, teve de ser desativada, depois de 75 anos de história.
O presidente Jorge Makriniotis diz que desde 2007 passaram a ter problemas com o governo, que segundo ele, teria dificuldade até o acesso da empresa ao papel para impressão dos exemplares.
“O sentimento foi de luto. Lágrimas, abraços. Bastante frustração, impotência, lembra Makriniotis.”
Com o fechamento dos veículos tradicionais como canais de televisão, jornais impressos e rádios, a internet se tornou a saída dos jornalistas para poder informar.
Mas, segundo os jornalistas, a repressão também está no mundo virtual. Eles acusam o governo de bloquear os sites de notícias.
“Criamos canais no Facebook. Temos contas em todas as redes sociais, canal de Telegram e WhatsApp. Estamos cobertos por onde podemos para informar as pessoas do que estão informando no país”, conta Marjorie Mendes, diretora do canal de noticiais online NTN.
Jornalistas refugiados
A crise humanitária que assola a Venezuela já forçou quase cinco milhões de venezuelanos a deixar o país, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU). Os dados revelam que o Brasil é um dos principais destinos. Mais de 200 mil pessoas vieram para cá.
O Comitê Nacional para Refugiados (Conare), do Ministério da Justiça, apontou que cerca de 40 jornalistas venezuelanos vivem atualmente no Brasil na condição de refugiados.
Carlos Escalona é um destes. Ele conta que fugiu da Venezuela após sofrer um sequestro e sua família ser ameaçada. Tudo, segundo ele, porque descobriu corrupção em uma rede de televisão estatal onde ele trabalhava.
No Brasil, Carlos agora manuseia alimentos e investiu e faz comida venezuelana para vender.
“Aqui em São Paulo eu fui procurando coisas na minha área, mais aí aprendi a fazer outras funções, outras carreiras. Abri meu próprio negócio de comida venezuelana
Durante meses, a reportagem da CNN tem solicitado entrevista com o presidente Nicolás Maduro e uma resposta do governo para as denúncias dos jornalistas, mas até a publicação desta reportagem, não houve resposta.