Trump não garantiu transição presidencial pacífica, mas ela já está em andamento
Especialistas afirmam que transferência de poder de Trump para Biden pode ser a mais importante da história recente
O presidente Donald Trump não garantiu seu comprometimento com uma transferência pacífica de poder caso o democrata Joe Biden ganhe as eleições, mas o processo secreto de preparação para um possível novo presidente dos Estados Unidos já está em andamento há meses, com a ajuda dos funcionários de alto escalão do governo Trump.
A transição, obrigatória pela lei, acontece a cada quatro anos e garante que, caso a transferência de poder seja necessária, o presidente que assumir o cargo seja capaz de estruturar um novo governo em menos de três meses, começando a trabalhar já no dia da posse.
Mas especialistas no assunto disseram à CNN que a possível transição de Trump para Biden pode estar entre as mais importantes da história moderna. Isso, por conta da pandemia do novo coronavírus, as diferenças entre os dois candidatos e a crise econômica que atinge o país.
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E Trump não tornou o contexto dessa possível mudança de poder menos tenso, se esquivando frequentemente de perguntas sobre uma transição pacífica para Biden. Ele também tem questionado, sem apresentar argumentos, se o resultado da eleição será justo. Mas sua administração, liderada pelo chefe de gabinete Mark Meadows e pelo vice-chefe de gabinete, Chris Liddell, tem trabalhado com o time de Biden nas preparações para uma possível passagem de poder presidencial.
Mesmo com a atual cooperação da Casa Branca, no entanto, o time de Biden se prepara para possíveis obstáculos colocados por Trump e sua administração, disseram à CNN múltiplas fontes familiarizadas com o trabalho da equipe de transição.
Dada a enorme quantidade de ramificações legais, muitos desses preparativos foram conduzidos pelo conselheiro sênior de campanha e ex-conselheiro jurídico da Casa Branca, Bob Bauer. A CNN reportou, anteriormente, que o time de Biden havia montado uma equipe jurídica extensa, liderada por Bauer e pela conselheira geral da campanha, Dana Remus, para se concentrar em potenciais problemas de votação e eleição que possam surgir.
Uma equipe diversificada
O time de transição de Biden, que começou seus trabalhos no verão (em junho), forma uma operação robusta com dois dos vários co-presidentes, Jeff Zients e Ted Kaufman, assumindo a liderança primária na supervisão dos esforços contínuos. Kaufman, aliado próximo de Biden e que aconselhou o ex-vice-presidente por décadas, também é especialista em transições presidenciais: durante o curto período em que atuou como senador por Delaware, depois que Biden se tornou vice-presidente, ele aprovou um projeto de lei que busca agilizar o processo de transição de poder.
Anita Dunn, consultora sênior da campanha de Biden e ex-diretora de comunicações da Casa Branca, é outra das co-presidentes, ao lado da governadora do Novo México, Michelle Lujan Grisham, e o deputado Cedric Richmond, da Louisiana.
Os esforços da equipe de transição democrata vêm aumentando há meses e, segundo uma fonte, chegam a pelo menos 150 pessoas. Outra fonte próxima à equipe de transição disse à CNN que os esforços podem chegar a 300 pessoas até o dia da posse, caso a transferência de poder seja necessária. A equipe de Biden está tecnicamente hospedada na sede do Departamento de Comércio de Washington, mas assim como maior parte dos Estados Unidos durante a pandemia, os trabalhos são feitos virtualmente. Essa situação provavelmente continuará depois da eleição, disse um dos funcionários do time.
Assim como aconteceu em transições anteriores, a equipe de Biden está fazendo de tudo neste momento: desde preparações para mudanças na equipe até listas de nomeações em potencial, passando também pela pesquisa de quais ordens executivas um possível presidente Biden poderia emitir nos primeiros dias de mandato.
Biden, quando questionado sobre seu possível gabinete, disse que quer um gabinete que “se pareça com um condado”, ou seja, uma equipa racialmente diversa, composta por mulheres em cargos importantes, e diversificado ideológica e geograficamente. E as discussões sobre os cargos mais altos da administração, incluindo nomeações para o gabinete da presidência, têm levado em consideração a importância dessa diversidade.
O Comitê Consultivo de Biden inclui várias pessoas consideradas pioneiras em cargos de administração, como a ex-conselheira nacional de segurança Susan Rice, o ex-prefeito de South Bend, Indiana, Pete Buttigieg, e a ex-procuradora-geral Sally Yates.
Satisfazer as facções ideológicas do Partido Democrata será outro desafio para a equipe democrata. Os progressisttas estão acompanhando de perto as nomeações e também aqueles que o ajudarão o presidente a montar sua equipe. A presença de Jared Bernstein, que já foi o principal conselheiro econômico de Biden, dará algum conforto à ala progressista.
Recentemente, Bernstein participou da “Força-tarefa pela União”, formada por Biden e pelo senador Bernie Sanders para discutir economia. O mesmo vale para Cecilia Martinez, diretora-executiva do Centro para a Terra, Energia e Democracia e uma voz respeitada nas questões climática e de justiça ambiental.
Várias pessoas disseram à CNN que embora Biden tenha sido mantido a par, em um sentido amplo, do trabalho que a equipe de transição está fazendo, ele é supersticioso e não está inclinado a tomar decisões importantes antes de saber quem ganhou a eleição.
Equipes de transição totalmente formadas antes da eleição já tiveram seus planos rapidamente descartados nos dias após a derrota, incluindo Hillary Clinton, em 2016, e Mitt Romney, em 2012.
Sob o radar
Na Casa Branca, o planejamento para uma potencial trasferência de poder começou meses atrás, enquanto Trump intensificava seus ataques a Biden e se recusava a dizer se garantiria uma transição presidencial pacífica caso perdesse.
Liddell, o vice-chefe de gabinete para coordenação de políticas e aliado próximo do genro de Trump, Jared Kushner, tem trabalhado na Ala Oeste para preparar relatórios de transição para o Congresso e coordenar com agências federais a realização de seus preparativos para a possível entrada de novos nomes para cargos políticos em janeiro de 2021.
Isso inclui garantir que o Departamento de Justiça e o FBI estejam preparados para processar autorizações de segurança para os principais conselheiros de Biden, que precisariam acessar documentos confidenciais durante o período de transição, disseram autoridades familiarizadas com o assunto.
Liddell atuou, anteriormente, no lado oposto desses trabalhos: foi o diretor executivo da equipe de planejamento para transição presidencial de Mitt Romney, derrotado na eleição de 2012.
Até agora, seus esforços passaram quase despercebidos na Casa Branca, que no mês passado foi dominada por um surto de coronavírus e ultimamente tem se concentrado inteiramente na reeleição de Trump, disseram autoridades próximas à questão.
Meadows, acompanha o presidente em grande parte de suas viagens de campanha e recentemente foi criticado internamente pela maneira como lidou com o recente surto de Covid-19, é oficialmente o principal líder da Casa Branca na equipe de transição. Mas é Liddell quem supervisiona a maior parte do trabalho no dia-a-dia.
Outros funcionários da Ala Oeste também estão envolvidos, incluindo o conselheiro jurídico da Casa Branca, Pat Cipollone, e o chefe de orçamento, Russel Vought. Eles fizeram parcerias com funcionários de carreira do governo para garantir que todos os requisitos legais sejam cumpridos antes de 3 de novembro.
Uma transição importante
Dave Marchick, diretor do Centro de Transição Presidencial da Pareria para Serviço Público, disse que a lei orienta que as transições “contempla a possibilidade de que haja um atraso” e garante que “todo o conjunto de serviços que o governo fornece aos candidatos permanece disponível para os candidatos após a eleição, em caso de atraso”. Trata-se da Lei de Transição Presidencial de 1963.
Mas, segundo ele, o calendário da transferência de poder tem apenas 78 dias e todos são importantes. Marchick afirma que a possível transição Trump-Biden “poderia ser a transição mais importante desde 1932”, quando o presidente Herbert Hoover e o presidente eleito Franklin D. Roosevelt se esforçaram para cooperar em meio à Grande Depressão. A possível transição desta eleição aconteceria em meio às crises de saúde, economia, justiça social e política.
O próprio Biden está claramente ciente dessa importância. O candidato democrata recentemente revelou que estava relendo “Os cem dias de FDR e o triunfo da esperança” de Jonathan Alter, e tentou traçar paralelos entre a situação do país hoje e aquela com a qual Roosevelt lidou durante seu mandato.
Um planejamento de transição relativamente suave no período pré-eleitoral não é necessariamente o presságio de uma transição tranquila no caso de uma vitória de Biden ou um resultado incerto. Quanto mais tempo demorar para o resultado final ser conhecido, menos tempo a nova equipe terá acesso a recursos federais para construir uma novo mandato.
E caso o próprio Trump não aceite os resultados, não se sabe se seus indicados nas agências federais darão as boas-vindas à equipe de Biden para reuniões ou planejamento de transição.
É por isso que, de acordo com Rebecca Lissner, professora assistente do Colégio de Guerra Naval dos EUA, uma transição de Trump para Biden tornaria o que é “sempre o momento mais perigoso da política americana” ainda mais perigoso. Lissner recentemente escreveu sobre como Trump poderia prejudicar uma possível presidência de Biden durante a transição.
“A razão pela qual deveríamos estar tão preocupados é que, mesmo em meio às transições normais, quando você não tem um presidente hostil ao novo governo… mesmo assim, em muitas vezes, as coisas dão muito errado”, disse. Ela aponta possíveis ações que o presidente pode tomar para retardar a administração Biden: mudanças dramáticas nas políticas do governo durante o período conhecido como “lame duck”, falhas de comunicação no compartilhamento de inteligência e até ações mais hostis, como a negativa da administração Trump de dar acesso às equipes de transição às agências federais.
“Mesmo no melhor cenário ainda há muito que pode dar errado”, disse Lissner.
Gregory Krieg contribuiu para esta reportagem.
(Texto traduzido, clique aqui para ler o original em inglês).