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    Gestão da pandemia pode derrubar líder indiano Modi, mas milhões ainda o apoiam

    Índia está dominada por catastrófica segunda onda da Covid-19, que deixou seus crematórios transbordando de corpos e colocou seu sistema de saúde sob pressão

    Jeevan Ravindran, da CNN*

    O Dr. Satyendra Kumar Tiwary considera o primeiro-ministro indiano Narendra Modi um super-humano. Um líder como Modi aparece “uma vez a cada 2.500 anos”, diz ele, e deve ser lembrado entre os grandes nomes da história da Índia, como Mahatma Gandhi e até mesmo Buda.

    “O mundo nunca verá outro líder como Modi”, disse o professor de cirurgia geral de 47 anos de Varanasi, reduto eleitoral de Modi e uma das cidades mais sagradas para os hindus. “Ele não é um homem, ele é um super-homem. Ele é um santo.”

    Como tantos apoiadores de Modi, Tiwary se orgulha de que o primeiro-ministro, aos 70, trabalha mais de 18 horas por dia e nunca tirou um dia de folga em 23 anos, ecoando uma afirmação de que altos funcionários do Partido Bharatiya Janatiya (BJP), de Modi, têm feito muitas vezes.

    É precisamente esta imagem de um homem trabalhador, com pouco tempo para uma vida pessoal, mas bastante para ioga e sua fé hindu, que catapultou Modi para uma reeleição esmagadora na votação geral da Índia de 2019. A agenda nacionalista hindu sem remorso de seu partido atraiu 100 milhões de votos a mais do que a principal oposição.

    Modi, que governa a Índia desde 2014, manteve-se extremamente popular apesar dos contratempos em seus esforços para impulsionar a economia do país, criar milhões de novos empregos e fornecer assistência médica aos cidadãos mais pobres da Índia.

    Mas a Índia agora está dominada por uma segunda onda catastrófica de Covid-19, que deixou seus crematórios transbordando de corpos e colocou seu sistema de saúde sob enorme pressão.

    O mandatário está sendo criticado por sua má gestão da crise nacional de saúde, por realizar comícios durante as eleições regionais sem distanciamento social ou regras de uso de máscaras, e por não ter conseguido impedir a reunião de milhões de peregrinos no festival religioso Kumbh Mela, que contribuiu para um dos picos de infecções mais dramáticos do país.

    Assim como a pandemia contribuiu para a derrota de Donald Trump nos Estados Unidos, Modi estava “quase certo” que sofreria um golpe na sua popularidade também, disse Ashutosh Varshney, diretor do Centro do Sul da Ásia Contemporâneo da Universidade Brown.

    “Uma grande parte da base está extremamente desencantada porque perderam seus entes queridos. Eles perderam seus irmãos, seus pais, seus filhos”, disse ele.

    Base leal de Modi

    Modi pode ter 70 anos, mas também tem legiões de jovens apoiadores indianos. Rishabh Mehta, um estudante universitário de 24 anos, disse que se sentiu atraído pelo nacionalismo inabalável de Modi e pensou bem nas realizações do líder na melhoria dos sistemas de defesa da Índia.

    Quando questionado sobre o alto índice de mortes de Covid-19 no país, Mehta disse acreditar que os números foram inflados por líderes estaduais que buscam manchar a imagem de Modi. Mehta acredita que há uma “campanha direcionada para difamar o… governo central”.

    Mas a lealdade de Mehta permaneceu forte, mesmo depois de perder um de seus amigos próximos para o vírus. O próprio Mehta levou seu amigo ao hospital na capital, Nova Delhi, onde descreveu cenas caóticas de “gente gritando, gente tossindo, gente chorando” em desespero. “Foi um momento horrível para todos nós”, disse ele.

    A maioria dos especialistas e críticos dizem o contrário, e as organizações de mídia indianas estão reunindo cada vez mais evidências que mostram que o país está subestimando os mortos, seja deliberadamente ou simplesmente porque a Índia é incapaz de medir o verdadeiro impacto da pandemia.

    Outro millenial apoiador de Modi é Vagisha Soni, uma pesquisadora de 29 anos de Delhi. Soni tem ajudado a fornecer oxigênio e leitos de UTI em meio a uma escassez crítica. Alguns de seus amigos perderam os pais com o vírus.

    Mas, como Tiwary, o professor de medicina, ela vê algo maior em Modi. “Sempre tive a sensação de que deve haver um líder que deve nos guiar, então esse foi Modi. Não havia outra figura”, disse ela.

    Quanto à gestão da pandemia, Soni destacou que a taxa de mortalidade per capita na Índia mostra que o país não está tão mal quanto se percebe de longe. Ela disse que os EUA também eram “incapazes de lidar com [a pandemia], tendo a melhor infraestrutura médica, o melhor das instalações”. Portanto, era natural que a Índia também não fosse capaz de lidar com isso e usar Modi como um “saco de pancadas” era injusto, argumentou ela.

    Ela tem um ponto. Como a população da Índia é muito maior do que a da maioria dos países, pode ser difícil avaliar o quão ruim é a situação. Dados da Universidade Johns Hopkins, que está monitorando números globais durante a pandemia, mostram que a Índia teve uma taxa de mortalidade de 22 por 100 mil pessoas, muito menor que a dos Estados Unidos, que relatou 179.

    Em números brutos, a Índia sofreu o pior surto de coronavírus desde o início da pandemia, com mais de 400 mil infecções por dia no início de maio, o maior número de casos diários de Covid-19 de todos os tempos. As mortes ultrapassaram 300 mil em 24 de maio e teme-se que o número real possa ser muito maior.

    Um ‘devoto Modi’ perde a fé

    O impacto da pandemia foi profundamente sentido na Índia rural, onde a falta de infraestrutura médica forçou as pessoas a viajar quilômetros para ter acesso ao tratamento, contribuindo para potencialmente centenas de milhares de mortes não relatadas.

    Um ex-oficial da Força Aérea do distrito de Chhapra em Bihar, que não quis revelar seu nome por temer por sua segurança, votou inicialmente em Modi porque acreditava que traria mudanças e criaria empregos para os jovens, mas agora se voltou contra ele depois de ver o impacto do Covid-19 em sua aldeia.

    “Se você for ao vilarejo e dizer o nome de Modi, as pessoas vão se preparar para matá-lo. Eles estão com raiva. Não querem ouvir o nome de Modi.”

    Ele disse que ambulâncias privadas estavam cobrando preços exorbitantes para levar os moradores aos hospitais que ficavam a cerca de 90 quilômetros de distância e a demanda por medicamentos básicos, como o paracetamol, havia disparado os preços. “Se você tem dinheiro, você vive. Se não tiver, você morre”, disse ele.

    Ashutosh Varshney, da Universidade de Brown, disse que o destino político de Modi depende de um rival claro se apresentar antes das próximas eleições gerais do país em 2024.

    Embora a enorme população da Índia torne as pesquisas um desafio, há alguns indícios de que a maré está se voltando contra Modi fora dos estados redutos do BJP. Nas eleições de Bengala Ocidental em abril, o BJP ganhou mais cadeiras, mas não conseguiu conquistar a vitória no estado disputado, como esperava fazer e trabalhou por anos.

    À medida que o governo de Modi percebeu que esse poder estava se esvaindo, ele procurou retomar o controle de uma narrativa crítica que questiona o status do primeiro-ministro como salvador da Índia. Em Delhi, 25 pessoas foram presas recentemente por colocar cartazes criticando Modi por exportar vacinas para outros países, de acordo com vários meios de comunicação locais.

    A polícia em Uttar Pradesh também apresentou acusações contra um jovem de 26 anos, Shashank Yadav, por simplesmente tentar encontrar um cilindro de oxigênio para seu avô moribundo no Twitter, de acordo com a BBC. O Twitter também removeu um grande número de postagens criticando a resposta do governo ao pedido da Índia, gerando temores de censura patrocinada pelo Estado.

    O futuro de Modi também pode depender de quão bem ele conseguirá desviar a culpa pela pandemia para os líderes locais, como seu partido tem procurado fazer em áreas onde eles não estão no poder.

    Os poderes dos estados, no entanto, são limitados pelo financiamento que recebem. Os dados da OCDE mostram que a Índia gasta muito pouco com saúde, normalmente menos de 4% do produto interno bruto. Os EUA gastam cerca de 17%, enquanto o Reino Unido gasta cerca de 10%.

    O sucesso do “Modicare”, um plano de saúde para as pessoas mais pobres do país prometido em 2018 antes das eleições, foi limitado porque está gravemente subfinanciado e os especialistas dizem que é improvável que leve a mudanças concretas.

    Mesmo os eleitores antigos do BJP estão começando a questionar se Modi deve permanecer no cargo. “Minha esposa me enviou uma mensagem dizendo: ‘Não há mais oxigênio sobrando no hospital'”, disse ele à CNN, desmoronando enquanto falava.

    Um ex-“devoto de Modi” autodenominado de Lucknow, que também não quis dar seu nome, disse que ele e sua família votaram em partidos nacionalistas hindus, incluindo o BJP, por gerações. No entanto, depois de perder sua esposa para Covid-19 no início deste ano, ele não consegue perdoar o homem que antes venerava.

    “Tentei meu melhor para conseguir alguns cilindros, mas não consegui. Ninguém estava aqui para me ajudar. Eu não pude fazer nada… Todos os países do mundo se preocupam com seus cidadãos. Não na Índia.”

    “O sangue está nas mãos deles”, disse ele sobre o BJP. “Esse sangue, eles nunca poderão lavá-lo.”

    *Texto traduzido, clique aqui para ler o conteúdo original

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