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    Bolsa a 90.000 pontos em uma economia em queda é uma bolha ou faz sentido?

    Quem observa as altas da bolsa pode acreditar que o mercado se descolou da economia real – e é isso o que está acontecendo. E aí fica a pergunta: é sustentável?

    André Jankavski, , do CNN Brasil Business, em São Paulo

    Quem observa as altas recentes da bolsa de valores no Brasil pode estar pensando que vive em um país totalmente fora da realidade atual. Afinal, o país segue batendo recordes diários de mortes causadas pelo novo coronavírus, os índices econômicos seguem mostrando que a economia real está bem longe da recuperação e, para completar, as tensões políticas entre os poderes em Brasília seguem longe do fim.

    Mesmo assim, o Ibovespa, que é o principal índice da bolsa brasileira e que reúne as empresas mais importantes negociadas na B3, bateu os 93.000 pontos na quarta-feira (3). Há analistas que estão apostando que esse rally, mesmo que com uma certa volatilidade, pode ultrapassar os 100.000 pontos em breve. Isso, no entanto, traz uma dúvida: diante do tamanho do problema que o país enfrenta, essa alta é sustentável?

    Especialistas se dividem e enquanto alguns afirmam que há motivos de sobra para não acreditar que existe uma bolha em formação, outros não enxergam espaço para tanto otimismo.

    Começando pela ótica positiva, a alta recente do mercado internacional ajuda a explicar a escalada recente da bolsa. Nos últimos meses, com o avanço do coronavírus em países desenvolvidos – e grandes estragos feitos tanto na área de saúde quanto na economia, é bom lembrar –, os bancos centrais desses países começaram a injetar liquidez (ou seja, começaram a colocar muito dinheiro) no mercado.

    O Federal Reserve, que é o banco central dos EUA, por exemplo, já anunciou trilhões de dólares em pacotes de socorro para evitar que a economia americana entre em colapso.

    O mesmo aconteceu na Europa. Nesta quinta-feira (5), por exemplo, o Banco Central Europeu, capitaneado pela Alemanha e a França, anunciou a expansão do seu programa de compras emergenciais em € 600 bilhões, elevando a conta para € 1,35 trilhão. Movimentos como esse fizeram as bolsas em todo o mundo subirem, afinal, com a queda acentuada dos juros em todo o planeta, os investidores vão procurar por maiores retornos na bolsa.

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    Para um efeito de comparação, em janeiro, as empresas listadas em bolsas do mundo inteiro tinham um valor de US$ 89,1 trilhões. Em fevereiro, menos de 20 dias depois desse pico, a conta caiu 30%, a US$ 61,5 trilhões. Porém, nesta última quarta-feira, o número já tinha se recuperado para US$ 79,3 trilhões – uma alta de 29%.

    “Essa diferença de US$ 18 trilhões é exatamente toda a injeção de dinheiro feita pelos bancos centrais, como compras de títulos e pacotes de socorro”, diz Pablo Spyer, diretor da corretora Mirae Asset. Ou seja, há um lastro que justifica essa alta em todo o mundo.

    A questão é que o Brasil está em um cenário diferente de Estados Unidos, China e outros países. Por aqui, a Covid-19 segue fazendo cada vez mais vítimas e a curva de infectados e mortos não para de subir. Lá, as economias estão reabrindo e, aparentemente, a doença está controlada – fundamental para que não haja novas quarentenas e fechamentos de comércio e indústrias.

    Nos últimos dias, contudo, foi somado mais um fator de instabilidade no mundo: os protestos contra o racismo começaram nos Estados Unidos, devido ao assassinato de George Floyd que foi morto por um policial branco, e estão se espalhando pelo mundo. Os investidores ainda não precificaram qual vai ser o tamanho desses atos na economia (ou até mesmo se terá algum impacto de fato).

    E o Brasil?

    Logo, essa dinheirama poderia estar vindo para o Brasil também, correto? O problema é que os estrangeiros não estão permanecendo na bolsa brasileira. Ao contrário: o Brasil perdeu bilhões em investimento estrangeiro, de acordo com o Instituto de Finanças Internacionais (IIF).

    Entre fevereiro e abril, saíram US$ 18,7 bilhões do mercado de títulos, o dobro do registrado na crise de 2007. Segundo o IIF, o movimento também foi visto em países emergentes, mas com menos força.

    “O investidor estrangeiro está saindo do Brasil, mas também faz operações diárias por causa da liquidez. Então, ele vem e sai rapidamente com o capital especulativo”, diz Raphael Figueredo, analista da Eleven Financial.

    Loja fechada em São Paulo
    Homem em frente a lojas fechadas: enquanto mercado sobe, a economia real segue em queda livre
    Foto: Amanda Perobelli/Reuters (20.mar.2020)

    Complica ainda mais a situação o fato de o Brasil não estar com as contas públicas em dia – e que piorou com os gastos adicionais (ou a não cobrança de tributos) de R$ 700 bilhões para o combate ao coronavírus. O valor é bem menor do que o dos países desenvolvidos, mas não pode ser chamado de pequeno.

    “O pacote do governo não é pequeno, mas tem países que podem se dar o luxo de dar pacotes maiores”, diz Juan Jensen, economista da 4E Consultoria. “Vínhamos de uma crise fiscal muito grande e que ficou um pouco menor com a reforma da Previdência.”

    A conta, no entanto, deve piorar. O secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida, acredita que a dívida bruta chegará a 94% do PIB neste ano – especialistas, como o economista Marcos Lisboa, presidente do Insper, acreditam que a soma deve chegar a 100% do PIB em 2020.

    Para se ter uma ideia do tamanho do problema, isso equivaleria a um rombo de R$ 1,2 trilhão nas contas públicas, um valor dez vezes maior do que o projetado pelo governo no início do ano.

    Mas o que isso afeta o dia a dia da população? Com uma recessão batendo à nossa porta, o governo tem menos armas para reaquecer a economia. Ou seja, o país fica sem gasolina para andar. Com isso, depende do capital privado, que também sofre com os efeitos da pandemia e que ainda não está seguro para pensar em novos investimentos (e nem em contratações, por exemplo). Logo, a economia cai ainda mais e o desemprego cresce.

    Reformas, mas com que clima?

    Na visão dos especialistas ouvidos pelo CNN Business, o que poderia sustentar essa alta da bolsa e o otimismo dos mercados são as reformas macroeconômicas, como a administrativa, que ajudaria a diminuir os gastos do governo com a máquina pública, e a tributária, que simplificaria os impostos no Brasil, o que diminuiria gastos das empresas e, de quebra, aumentaria a produtividade do país.

    O problema é que elas já não estavam andando aceleradamente antes da pandemia – imagine, então, agora. Para piorar a situação, o presidente Jair Bolsonaro segue em uma disputa com o Judiciário e o Legislativo, nesse caso, especialmente com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia. Ele, aliás, que tem o poder de pautar as reformas ou não.

    Por outro lado, um aceno bom ao mercado é, coincidentemente, desaprovado por parte dos apoiadores do presidente: a aliança com o chamado Centrão. Na visão dos investidores, essa aproximação ajudará tanto o presidente a ter força política para não correr um risco de impeachment, trazendo estabilidade política, quanto poderá ajudar no avanço das reformas.

    “O problema é que o histórico do centrão é de aumentar o gasto público”, diz Sérgio Vale, economista-chefe da consultoria MB Associados. Então, se isso ocorrer, a conta do governo pode ficar mais cara na hora do pagamento. O ano eleitoral também não ajuda – afinal, diversos deputados podem querer concorrer a prefeituras ou, ao menos, apoiar correligionários.

    Tá, mas e a bolsa?

    Diante de todos esses problemas, a bolsa pode, sim, ter um movimento de correção em um futuro não tão distante, segundo especialistas. Por isso, agora, começam as apostas de como vai ser o movimento de recuperação da bolsa. Atualmente, estamos em um “V” (uma queda brusca seguida por uma alta acelerada). Outros, apostam no W (depois dessa alta acelerada, teremos mais baixa acentuada para, só depois, iniciar o processo de crescimento consistente).

    Na visão de Igor Cavaca, analista de renda variável da corretora Warren, o otimismo é consistente. “Não acreditamos em um cenário negativo para o futuro, mas ele pode vir a ocorrer se houver uma alteração brusca tanto com relação a retomada da economia, como com os níveis de instabilidade política”, diz ele. Logo, para ele, só a política pode atrapalhar a recuperação em “V”.

    Porém, Vale, da MB Associados, é bem mais pessimista. Ele não só enxerga uma recuperação econômica bem complicada para o Brasil, em formato de “L” (queda brusca e estagnação) ou no formato do logo da Nike (queda brusca e recuperação lenta), como acredita que o Ibovespa terminará o ano aos 75.000 pontos. Isso representaria uma queda de 20% no valor atual da bolsa. Já o banco americano Goldman Sachs acredita em um Ibovespa em 95.000 pontos, ou seja, não terá mais uma alta tão elevada.

    Para Spyer, da Mirae, é praticamente impossível fazer previsões exatas de como estará a bolsa nos próximos meses. Segundo ele, o movimento ainda é de ajuste. “Os investidores ainda estão vendo, agora, se a bolsa brasileira caiu demais nesses meses ou se ela estava cara demais aos 120.000 pontos”, diz Spyer. 

    Logo, a bolsa está no meio do caminho do apogeu e queda de 2020 – ainda faltam 30% para recuperar o pico. A questão é saber se e quando a economia real (e não a expectativa) vai impactar os planos dos investidores.

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