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    15% dos brasileiros já queimam poupança em gastos diários – e número deve subir

    Outros 11,3% estavam endividados em maio, segundo dados do Ibre/FGV. Índice de estresse financeiro chega a 26,8%, nível próximo ao da recessão de 2015-2016

    Luísa Melo, , do CNN Brasil Business, em São Paulo

    Era 29 de abril quando Jair de Assis, 34, recebeu por videconferência a amarga notícia de que seria demitido porque a startup de RH em que trabalhava, em São Paulo, precisava cortar gastos. Ele estava prestes a completar quatro meses de carteira assinada. O acerto não foi generoso e os bicos de programação e gestão de redes sociais que costumava fazer desapareceram na crise, então o administrador teve que sacar parte da poupança intocada há dois anos para conseguir manter as contas em dia.

    “Era um dinheiro em que eu não mexia. Precisei para alimentação e para pagar o aluguel e outras dívidas cotidianas, como de uma roupa que a gente compra. Essa reserva não vai durar muito. Agora lancei mão do seguro-desemprego, espero que saia logo”, conta.

    Assis integra um grupo significativo de trabalhadores que precisaram mexer nas economias porque perderam renda durante a pandemia do novo coronavírus. Em maio, 15,5% dos brasileiros queimaram poupança em gastos do dia a dia, segundo levantamento do Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV) – índice bem acima da média dos últimos anos (veja gráfico abaixo). E esse número, segundo especialistas, deve piorar. 

    Outro fator negativo apontado pelo estudo foi que 11,3% se declararam endividados no mês passado, elevando a parcela dos que estão sob “estresse financeiro”, indicador constituído pela soma dos dois universos, para 26,8%. É um patamar abaixo do pico atingido em abril, de 28,6%, mas significativamente acima do registrado em janeiro, de 21,4%, e próximo aos vistos na recessão de 2015-2016.

    “É um nível bastante alto, resultado de uma crise que já se aprofundava”, diz Viviane Seda, economista do Ibre e responsável pela pesquisa. 

    Para ela, a leve melhora do indicador em maio em relação ao mês anterior provavelmente reflete o recebimento do auxílio emergencial e do complemento bancado pelo governo a quem teve jornada e salários reduzidos, que começaram a ser pagos em abril. 

     

    Mais pobres se endividam mais

    Os dados comprovam que o aperto é mais intenso para os mais pobres. Dos que ganham até R$ 2,1 mil, 19,9% se diziam endividados em maio, enquanto 10,6% gastaram recursos poupados. Já na faixa de rendimento acima de R$ 9,6 mil, a proporção dos que tinham dívidas é menor do que a dos que usaram reservas, de apenas 3,1%, contra 16%.

    “Está muito claro que os consumidores de baixa renda não têm reserva financeira, porque não sobra dinheiro para juntar. E com essa redução de ganhos que tiveram na pandemia, eles entram no endividamento mais rápido do que os demais”, afirma Viviane.

    A análise sobre queima de reserva do Ibre abrange todos os tipos de instrumento de poupança. A caderneta, produto favorito dos brasileiros, bateu recorde em maio: a captação líquida chegou a R$ 37,2 bilhões, a mais alta desde o início da série histórica do Banco Central, iniciada em 1995.

    À primeira vista os dados podem até parecer contraditórios, mas não são. Significam que os trabalhadores que não perderam renda e estão impedidos ou receosos de gastar por causa da pandemia estão guardando dinheiro.

    “Não me surpreende. Para quem tem queda de renda, qual é a solução? Ou reduz reserva, ou vende bens, ou não paga as contas. Mas, no geral, há um aumento da poupança porque há um choque e a queda do consumo é muito mais intensa do que a da renda”, afirma o economista Carlos Kawall, diretor do ASA Bank. 

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    Dois terços das famílias (66,5%) declararam ter dívidas em maio, após o percentual marcar recorde de 66,6% em abril, segundo pesquisa da Confederação Nacional do Comércio (CNC). A parcela daquelas que se declararam muito endividadas cresceu no mês, para 16%, o maior nível desde setembro de 2011.

    Ainda de acordo com o levantamento, o índice de inadiplência antigiu 10,6% em maio, o maior percentual para o mês da série histórica, contra 9,9% em abril. 

    O administrador Jair de Assis, 34
    O administrador Jair de Assis, 34, foi demitido no fim de abril e teve que gastar sua reserva financeira para não se endividar
    Foto: Acervo pessoal

    Tendência é de piora

    Para Viviane, do Ibre, a tendência é que tanto o nível de endividamento quanto o percentual de queima de poupança cresçam nos próximos meses. “Ao mesmo tempo em que há a expectativa de que a economia seja reaberta, a incerteza ainda é muito alta”, afirma.

    O comportamento previsto para o desemprego ao longo do ano tende a piorar ainda mais o cenário e atrasar uma retomada da atividade. A taxa de desocupação subiu para 12,6% em abril e atingiu 12,8 milhões de trabalhadores, mas o aumento só não foi maior porque muitos brasileiros deixaram de procurar uma vaga durante a crise e, por isso, foram excluídos da conta.

    Na medida em que a reabertura acontecer e a busca por emprego voltar, a taxa de desemprego pode chegar a 18%, na avaliação de Kawall, já que a geração de postos de trabalho deve ser lenta.

    “Aí você tem as pessoas que esgotam sua poupança, entram em inadimplência e buscam renegociação, que é o lado mais triste da história. E também tem outro lado que vai ganhando mais importância ao longo do tempo: quem tem renda passa a gastar menos, faz mais poupança e isso dificulta ainda mais a retomada da economia”, diz o diretor do ASA Bank.

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