Governo do RJ zera reservas de Coronavac e especialistas alertam para risco alto
A decisão de abrir mão das doses armazenadas - que eram destinadas à aplicação da segunda etapa da imunização - veio depois de um comunicado do governo
Especialistas em imunização consultados pela CNN criticaram a decisão do governo do Rio de Janeiro de zerar as doses da Coronavac em estoque no estado.
A decisão de abrir mão das doses armazenadas – que eram destinadas à aplicação da segunda etapa da imunização – veio depois de um comunicado do Ministério da Saúde enviado aos prefeitos na semana passada. A medida seria, segundo a pasta, para dar agilidade ao Plano Nacional de Imunização, a partir da próxima remessa de doses de vacina contra a Covid-19.
O Ministério da Saúde explicou que prevê receber mais 21 milhões de doses do Butantan em março e que usará essas unidades para a segunda dose.
A crítica feita pelos infectologistas se deve principalmente ao fato de nenhum estudo ter demonstrado a eficácia de apenas uma dose da Coronavac ou da aplicação de doses com intervalo maior a quatro semanas – ou 28 dias – como manda a bula. Assim, não é possível saber qual seria o nível de eficácia caso a chegada da segunda dose atrasasse em algum município ou região.
“A atitude do governo de aplicar tudo e esperar as novas remessas de vacina só pode ser considerada como inadequada, porque você não tem garantia das novas doses, é muito simples”, afirmou Celso Ferreira Ramos Filho, professor de Doenças Infecciosas da UFRJ.
Não ter a reserva das segundas doses da Coronavac é arriscadíssimo. Só existe vacinação com a dose de reforço
Gonzalo Vecina, ex-presidente da Anvisa
“A regra é tomar [as duas doses com intervalo de] 21 dias e, por isso, o cronograma de entrega das vacinas deve informar como devem ser usados os lotes”, afirmou o ex-presidente da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) Gonzalo Vecina.
Na prática, além de distribuir 173 mil doses da Coronavac que estavam reservadas para a segunda aplicação, o governo do Rio de Janeiro ainda abriu mão de 20 mil doses do que classificou como “reserva técnica”, cerca de 5% do total de doses recebidas para usar em caso de emergência, como um problema logístico ou a perda de vacinas.
“Eu segui a primeira recomendação do Programa Nacional de Imunizações de reter a segunda dose. Agora houve uma nova normativa para distribuir a segunda dose. Vou cumprir. Sou hierárquico, vou cumprir”, disse em entrevista coletiva o secretário da Saúde do estado, Carlos Chaves.
Prefeitos podem reservar
A decisão de usar as doses ou não cabe aos municípios. Cidades como Duque de Caxias não resolveram esperar e decidiram retomar a aplicação das vacinas para idosos já nesta terça-feira (23), usando o que estava reservado para começar a vacinar novos públicos. No município do Rio de Janeiro, o conselho técnico que assessora a prefeitura recomendou guardar as doses.
“Eu não acho adequada a atitude do governo de aplicar tudo, principalmente em relação à Coronavac, porque a margem é muito pequena, são só três a quatro semanas entre uma dose e outra e a gente não tem a garantia absoluta de que essas doses vão chegar. Inclusive esse foi o posicionamento do comitê assessor na reunião com o secretário de saúde municipal do Rio de Janeiro de que as doses para a segunda dose da Coronavac devem ser reservadas”, disse o infectologista Alberto Chebabo, que compõe o coletivo de médicos. Ele afirmou que o risco de zerar as reservas é “muito alto”.
Butantan diz que bula não prevê dose única
Questionado pela CNN sobre a decisão do governo do Rio de Janeiro, o Instituto Butantan informou que a bula da vacina orienta a aplicação de duas doses com intervalos de duas a quatro semanas entre elas, e que não foram realizados estudos de eficácia com apenas uma dose.
Nesta terça-feira, o instituto afirmou que, até o próximo domingo (28), entregará ao Ministério da Saúde 3,9 milhões de doses da Coronavac ao todo. As doses correspondem à primeira remessa fabricada internamente no Brasil, com os ingredientes trazidos da China.
Decisão difícil
Para a infectologista Rosana Richtmann, a decisão é difícil pelo fato de não existir uma resposta tecnicamente conhecida sobre a imunização com apenas uma dose ou um intervalo maior entre primeira e segunda dose.
No entanto, a decisão do governo pode ser acertada se o Brasil tiver “o mínimo de planejamento e o mínimo de garantia de que de fato essa segunda dose existirá”.
“A gente tem uma máxima na imunologia que é: dose dada nunca é dose perdida. Então, mesmo que tenha um atraso na segunda dose, a nossa resposta imune não é cronológica, […] podemos até ter um déficit na resposta imune, mas o mais importante é garantir a segunda dose, mesmo que seja um pouco mais adiante do prazo recomendado”, afirmou.
“O ideal seria não arriscar”, afirmou o infectologista Caio Rosenthal, do Instituto Emílio Ribas. “Mas a gente não está se baseando em ciência nenhuma, é tudo na base do achismo”, disse.
Foi uma estratégia mal planejada, porque não tem vacina suficiente para todos
Caio Rosenthal, infectologista do Instituto Emílio Ribas
“Então, se havia prioridade para um determinado grupo, para quem tem 90 anos ou mais, por exemplo, então que se reservasse um número de doses – a primeira e a segunda dose como manda a bula -, para esse grupo prioritário, mas não foi o que aconteceu”, criticou.