Revolta da Vacina: semelhanças e diferenças no Brasil de 1904 e 2020
Contexto da obrigatoriedade da vacina é diferente, mas fake news sobre imunizantes aproxima Brasil de hoje com o do início do século passado
Luta contra uma grave epidemia, guerra entre informações verdadeiras e falsas, negacionismo e uma população desconfiada de uma simples picada no braço. O ano parece ser 2020, mas estamos falando de 1904, data em que ocorreu a Revolta da Vacina.
O motim popular do início do século passado teve como estopim a obrigatoriedade da vacinação contra a varíola. 116 anos depois, o Supremo Tribunal Federal (STF) retoma o assunto, com o julgamento sobre a obrigatoriedade da vacina contra a covid-19 no próximo dia 16.
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“O mote daquela época foi a vacinação forçada, quando os agentes invadiam as casas para obrigarem as pessoas a se vacinar, mas existiam também outras questões políticas, como a ideia de depor o governo, o tratamento dado aos pobres, além da reforma urbana, com uma tentativa de modernizar a cidade do Rio de Janeiro”, explica a professora Márcia Regina Barros da Silva, do Departamento de História da USP (Universidade de São Paulo).
A vacinação era feita pela brigada sanitária, quando os profissionais entravam na casa das pessoas e vacinavam à força todos que lá estivessem.
A população reagiu: 30 pessoas morreram, 110 ficaram feridas e quase mil foram presos, em meio a casas apedrejadas, bondes tombados, fios de iluminação pública cortados, barricadas.
Outra diferença entre 1904 e 2020 está no grupo que apoia a ciência e os que são antivacina. “Tínhamos um presidente que era pró-vacina e intelectuais que desacreditavam no imunizante”, resume a médica sanitarista e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Lígia Bahia.
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Para ela, o motim de 1904 deixou lições importantes, como o envolvimento da população nas ações de saúde pública e a eficácia das vacinas na longevidade humana. “Uma revolta como aquela não deve acontecer novamente. O que a gente pode ter hoje é uma revolta pela vacina e não contra ela.”
Tanto que mais de 70% dos brasileiros afirmam que vão participar da vacinação contra a Covid-19. Mas esse número vem caindo e entre as razões está a disseminação das fake news, também presente no movimento do século passado.
À época, a população acreditava que a vacina era uma forma de controle do governo e matava as camadas mais pobres da sociedade.
Hoje, as redes sociais recebem todos os tipos de falsas alegações sobre as vacinas contra a Covid-19. Há mentiras de todos os tipos: de fórmula na vacina que contém microchips para serem inseridos nas pessoas, ou que o imunizante poderá alterar o código genético nas células, ou até que a vacina contra a Covid-19 poderá fazer a população adoecer ou desenvolver outras doenças.
“Existem vacinas mais tecnológicas como a da Pfizer com a BioNTech, que trabalha com o RNA [do inglês RiboNucleic Acid, um tipo de ácido nucleico] mensageiro, com a proteína ‘spike’ do vírus retirada da coroa da Covid-19.
A vacina da Oxford, é produzida a partir do adenovírus, um vírus que causa resfriado em chimpanzés.
Temos também como exemplo a Coronavac, da empresa chinesa Sinovac e o Instituto Butantan, que trabalha com o vírus inativado do Sars-Cov-2.
“Nenhuma delas altera o nosso DNA, porque elas não entram no núcleo, não nos contaminam pela doença, não têm chip implantado”, reforça Luiz Carlos Dias, professor do Instituto de Química da Universidade de Campinas (Unicamp).
“Todas as vacinas, seja de qualquer nacionalidade, passam por uma fase de testes muito rigorosa. Nenhuma delas é aprovada sem que tenha eficácia e segurança comprovada. O objetivo da vacina é induzir uma resposta do organismo àquele corpo estranho, enganar o sistema imune para que se tenha uma resposta em termos de produção de anticorpos, essa resposta imunológica”, completa o professor da Unicamp.