Como Elvis Presley pode nos ajudar com uma vacina para a Covid-19
David M. Perry afirma que atos semelhantes ao do cantor durante a epidemia de poliomielite podem ajudar a diminuir a resistência à vacinação
NOTA DO EDITOR: David M. Perry é jornalista e historiador. Ele é consultor acadêmico sênior no departamento de história da Universidade de Minnesota. As opiniões expressas neste artigo são exclusivamente da responsabilidade do autor.
Em 28 de outubro de 1956, um jovem Elvis Presley foi ao programa de televisão “The Ed Sullivan Show”. Fenômeno que havia estourado na cena musical dos Estados Unidos no início daquele ano com seu primeiro álbum, ele tocou “Hound Dog” e deu alguns passos de dança ousados. A multidão gritou tão alto que mal dava para ouvi-lo cantar.
Mas o que realmente torna aquela noite tão memorável é que, antes de sua apresentação, os espectadores viram Elvis Presley tomar uma vacina contra a poliomielite na televisão. O fato ganhou as manchetes dos jornais e, de forma fundamental, também ajudou a convencer adolescentes e jovens adultos (pessoas que pensavam que não corriam risco da doença) de que também precisavam de uma vacina para ajudar a derrotar a doença mortal.
A poliomielite é uma doença viral que causou um surto nos EUA durante a década de 1940, matando milhares de crianças e deixando dezenas de milhares paralisadas. As autoridades de saúde pública impuseram quarentenas quando os números subiram, os pais foram incentivados a manter os filhos fechados em casa e as viagens entre as cidades foram reduzidas.
A National Foundation for Infantile Paralysis (Fundação Nacional da Paralisia Infantil), agora conhecida como March of Dimes, decidiu fazer da poliomielite seu problema número um, enfatizando imediatamente seu perigo e sua cura. O grupo conseguiu a adesão do então presidente Harry S. Truman e, graças ao trabalho de muitos cientistas diferentes, sendo o mais famoso deles o doutor Jonas Salk, desenvolveu uma vacina. A poliomielite foi derrotada, mas só porque gente suficiente tomou a vacina.
O problema foi que, embora as crianças estivessem sendo vacinadas, os adolescentes e jovens adultos perceberam que não corriam risco de contrair a poliomielite, portanto não tomaram o imunizante e, por conseguinte, a doença continuou endêmica.
Agora, estamos à beira de uma vacina contra a Covid-19 graças a esforços mundiais sem precedentes. No entanto, deixar a situação de hoje para chegar num mundo pós-Covid-19 exigirá não apenas superar complicações logísticas significativas, mas também persuadir um público cético e preocupado com a vacina.
Precisaremos não apenas de um Elvis, mas de uma banda cheia de estrelas para fazer isso. Como a doutora Sandra Quinn, presidente do Departamento de Ciências da Família da Universidade de Maryland, disse à rede NPR em agosto: “As normas sociais fazem a diferença. Eu sei pela minha própria pesquisa que, se uma pessoa acredita que todas aqueles que ela ama e que se importam com ela acham que ela deve tomar a vacina, é mais provável que ela a tome”.
A doutora pensou numa campanha “que pode incluir departamentos de saúde locais e estaduais, o CDC (Centro de Controles de Doenças dos EUA), o governo, líderes civis, líderes religiosos, celebridades… todas essas pessoas. Quando elas começam a espalhar que tomaram a vacina e falam do porquê de terem tomado, isso ajuda muito”.
A liderança e o ativismo de celebridades podem ser superestimados, mas há momentos em que pessoas famosas e de confiança podem influenciar a opinião das massas de maneiras vitais para o bem público. A vacina para a Covid-19 pode ser um desses casos. Todo mundo precisa ver alguém conhecido e em quem confie tomando a vacina em tempo real. Os ex-presidentes dos Estados Unidos Barack Obama, George W. Bush e Bill Clinton disseram que vão tomar a vacina publicamente, o que é ótimo, mas vamos precisar fazer muito mais do que isso.
Não deveria ser tão difícil, mas, infelizmente, dois fatores negativos estão colidindo para criar um ceticismo perigoso sobre a vacina que está por vir. Primeiro, o pânico antivacinação é generalizado à esquerda e à direita. Uma pesquisa feita pela CNN em outubro mostrou o número de norte-americanos que disseram que receberiam uma vacina contra o coronavírus vem caindo desde maio. Segundo, muito do que o governo de Donald Trump nos disse sobre o coronavírus está errado ou é uma mentira.
Ao longo da pandemia, eu me consolei nos momentos mais difíceis pensando que o esforço para produzir uma vacina e tratamentos para a Covid-19 estava ocorrendo em uma escala inédita. Se a gente pudesse apenas aguentar agora, eu pensava, isso acabaria. O mês passado trouxe a extraordinária notícia de que pelo menos duas das vacinas estão atuando com grande eficácia na interrupção do vírus. As primeiras doses devem chegar nos EUA nas próximas semanas, trazendo o alívio necessário para aqueles que estão em maior risco.
Mas, para realmente vencer o vírus, vamos precisar que grande maioria das pessoas receba o imunizante. Caso contrário, vamos acabar em uma situação onde as pessoas vacinadas terão imunidade, mas a doença continuará endêmica na população. Isso é melhor do que uma epidemia, mas mesmo uma vacina 95% eficaz não é 100%, e algumas pessoas não poderão tomar a vacina por causa de deficiências do sistema imunológico ou outros fatores impeditivos.
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Uma das complicações na confiança do público decorre do mau uso do conceito de imunidade de rebanho, que ocorre quando uma porcentagem grande o suficiente da população está imune, tornando improvável a disseminação de pessoa para pessoa.
O médico Scott Atlas, o altamente controverso conselheiro do Trump, radiologista membro de um think tank conservador embutido na Universidade de Stanford, ganhou a vitrine da Fox News para mostrar ao público suas ideias, alinhadas com Trump, para controlar a doença – isso depois que Jared Kushner falhou em liderar a resposta em abril e Mike Pence ter assumido e declarado que não haveria segunda onda em junho. Os argumentos de Atlas se resumiram ao que teria sido uma estratégia terrível, a de sacrificar tantas vidas, mesmo se pudesse ter funcionado.
Mas a abordagem de imunidade do rebanho falhou na Suécia. Atualmente está falhando nos Estados Unidos, que na quinta-feira (3) registrou um terrível novo recorde de número diário de mortes. Isso porque a imunidade coletiva não é uma estratégia viável sem uma vacina. Na verdade, de acordo com Howard Forman, professor de política de saúde de Yale, a imunidade de rebanho nunca aconteceu por conta própria (sem vacina) com qualquer doença na história humana. Nunca.
Enquanto isso, o porta-voz de Trump declarou que as novas vacinas são “vacina de Trump”, uma marca que não atrairá pessoas céticas. Além disso, infelizmente, as teorias da conspiração antivacinação correm soltas entre uma parcela infelizmente bipartidária em nossa sociedade dividida.
O que deve ser feito?
Além dos ex-presidentes que deram um passo à frente, tenho pensado em Elvis. Depois de sua aparição no programa de Ed Sullivan, as taxas de vacinação aumentaram rapidamente, com a fama de Elvis fornecendo pelo menos uma ferramenta para popularizar a mensagem-chave de saúde pública.
Além do mais, já vimos o poder das celebridades em mudar as atitudes em torno da Covid-19 para melhor. Todos os terríveis avisos vindos de cientistas não tiveram o mesmo impacto de Tom Hanks e sua esposa Rita Wilson anunciarem que haviam contraído o vírus em uma fatídica quarta-feira de março. A NBA cancelou todos os seus jogos naquela mesma noite. De repente, muito mais pessoas passaram a levar isso a sério. Atores como Richard Schiff continuaram a usar suas plataformas para divulgar informações sobre suas experiências com a doença.
Vamos precisar de uma campanha massiva de infraestrutura e logística para levar as vacinas aonde elas são necessárias, mas daí por diante as pessoas terão que querer tomá-las. E então este será o momento de atrair as celebridades. Obama, Bush e Clinton podem liderar o caminho, mas isso é insuficiente.
Precisamos pelo menos tentar convencer Trump também, porque dezenas de milhões de norte-americanos o consideram como seu exemplo mais confiável. Talvez seja um sinal promissor que, na quinta-feira (3), Ivanka Trump tenha tuitado as notícias das declarações dos ex-presidentes, acrescentando: “Eu aplaudo esses pronunciamentos para ajudar a garantir ao público que a vacina é segura e eficaz. Minha posição é de fazer o mesmo”.
Na verdade, todo político deveria estar disposto a receber a vacina diante das câmeras para convencer sua base eleitoral. O governo de Joe Biden, os Centros de Controle e Prevenção de Doenças, autoridades regionais de saúde confiáveis (vivo no Meio-Oeste do país, então penso na Mayo Clinic e na Cleveland Clinic) e os governadores devem convencer as estrelas da música pop e do country, do basquete e da NASCAR, e trazê-los para a campanha. Beyoncé e Jay-Z, Taylor Swift, os meninos do BTS, LeBron James, Tom Brady, quem pudermos.
Não estamos mais no ambiente concentrado de mídia do programa de Ed Sullivan dos anos 1950, no qual uma única estrela em uma única rede pode atingir as notícias de todo o país, mas a diversidade de plataformas e públicos pode ser um ponto forte se todos encontrarem um rosto conhecido e confiável dentro de seu nicho de mídia tomando a vacina.
Suponho que teremos que encontrar algumas estrelas do YouTube e do TikTok para fazer um streaming da vacinação ao vivo, mas estou muito velho para saber qual celebridade. Presidente Biden, sinta-se à vontade para pedir conselhos a meu filho de 11 anos.
Mostrar os braços. Ser vacinado. Proteger-se da Covid-19. Salvar o mundo. O que mais uma celebridade pode querer?
(Texto traduzido, clique aqui para ler o original em inglês).