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    Caçadores expõem abates ilegais na web enquanto Congresso debate liberar caça

    Mesmo com leis federais que proíbem caçar no país – com exceção do controle populacional do javali –, não é difícil encontrar na web imagens de abates ilegais

    Murillo Ferrari, da CNN em São Paulo

    A exposição na internet e a glamourização da caça ilegal de animais silvestres vem ganhando força na internet. Só no YouTube, maior plataforma de vídeos do mundo, há centenas de publicações que mostram o abate irregular de veados, pacas, tatu e outros animais silvestres.

    A CNN analisou imagens publicadas por 20 canais que apresentam ao menos um vídeo de caça ilegal em florestas brasileiras. Essa amostra acumula cerca de 300 mil inscritos e mais de 44 milhões de visualizações.  

    Na plataforma, é possível encontrar imagens de diversas etapas dessa caça, desde explicações sobre como montar armadilhas até o momento dos disparos e a reação dos animais, passando pela montagem de armadilhas. Em algumas filmagens, os caçadores sequer se preocupam em expor ao público o próprio rosto.

    Vídeos disponíveis no YouTube mostram o abate ilegal de animais
    Vídeos no YouTube mostram o abate de animais, incluindo espécies ameaçadas de extinção, como a onça pintada
    Foto: Reprodução/ YouTube

    Nos comentários, grande parte dos usuários elogia o conteúdo exibido e troca dicas de como preparar armadilhas e de armas a serem usadas nos abates.

    Há, também, usuários que criticam a caça e apelam aos demais em nome da proteção da vida. Outros fazem ponderações, falando de espécies que consideram o abate mais ou menos justificável, bem como a finalidade da caça, com alguns defendendo desde que seja com o objetivo de servir de alimento.

    Caça no YouTube
    Caça no YouTube
    Caçadores discutem práticas de caça de animais silvestres no YouTube
    Foto: Reprodução/YouTube

    Questionado sobre as políticas adotadas na plataforma em relação a vídeos que mostram o abate ilegal de animais, o YouTube afirmou à CNN ser uma “plataforma de vídeo aberta e qualquer pessoa pode compartilhar conteúdo, que está sujeito a revisão de acordo com as nossas diretrizes da comunidade”. 

    “Qualquer usuário que acredite ter encontrado uma violação dessas regras pode fazer uma denúncia e nossa equipe fará a análise do vídeo”, disse um porta-voz da empresa. “Quando não há violação à política de uso do produto, a decisão final sobre a necessidade de remoção do conteúdo cabe ao Poder Judiciário, de acordo com o que estabelece o Marco Civil da Internet.”

    No Facebook, dezenas de grupos de discussão de caça visam reunir os adeptos da prática. A imensa maioria é fechada e controlada por administradores e moderadores. Alguns fazem ressalva de que só permitem publicações de caças legalizadas, outras falam sobre “não ficar de frescura”. 

    Caçar ou capturar animais silvestres é crime ambiental no Brasil, com algumas exceções previstas em lei. Quem entregar os bichos de forma voluntária aos órgãos de proteção ambiental não sofre penalidades. Segundo levantamento da ONG O Eco, cerca de 40 milhões de animais são mortos no país anualmente devido ao tráfico ou à caça ilegal.

    A Lei de Proteção à Fauna, de 1967, tornou ilegal a caça profissional e a comercialização de espécies da fauna silvestre, que vivem “naturalmente fora do cativeiro”. Em 1988, foi modificada pela lei 7.653, que fez distinção entre caça predatória e caça não predatória – que incluiu a caça para subsistência, controle de espécies e fins científicos, entre outros. 

    Dez anos depois, a Lei de Crimes Ambientais (9.605/98) definiu sanções penais e tornou crime  “praticar maus-tratos, atos de abuso, mutilar ou ferir animais silvestres, domésticos ou domesticados, exóticos ou nativos”, com penas de prisão de até 5 anos e multa.

    A bióloga Angela Kuczach, diretora da Rede Nacional Pró-Unidades de Conservação, diz que os integrantes dos CACs (Colecionadores, Atiradores e Caçadores) “têm orgulho de se denominar caçadores e eles falam isso não se colocando numa posição de criminosos, falam isso como se a lei não existisse. Isso é uma afronta”. 

    “Fico pasma porque parece que a lei de defesa da fauna silvestre não existe, já não faz o menor sentido. Eles [caçadores] simplesmente ignoram”, disse à CNN.

    “Uma coisa importante é que o caçador não permaneça impune porque hoje não temos grandes penas para quem é pego na atividade de caça. Esse incremento seria bastante importante”, complementa Rodrigo Levkovicz, diretor-executivo da Fundação Florestal do estado de SP.

    Projetos de lei

    Em meio à exposição pública de abates ilegais, uma série de projetos de lei (PL) em tramitação no Congresso busca alterar as legislações de proteção ao meio ambiente e diminuir as restrições à caça de animais silvestres.

    Um dos que provoca mais debate é o PL 6.268/2016, conhecido como “PL da Caça”, do ex-deputado federal Valdir Colatto (MDB-SC). O projeto aguarda votação na Comissão de Meio Ambiente da Câmara, onde o relator, deputado Nilto Tatto (PT-SP), se colocou pela rejeição.

    Se aprovado, revogaria a atual Lei de Proteção à Fauna e criaria uma “política nacional” para substituir a atual legislação.

    Em ofício enviado à Câmara dos Deputados, a ONG Hachí, destinada a proteção animal, afirma que o projeto dificulta a fiscalização e flexibiliza os critérios para a “eutanásia” de animais silvestres. Na prática, argumenta o documento da ONG, a proposta permitiria a caça.

    “O projeto onera ainda mais os órgãos administrativos já tão sobrecarregados e carentes de recursos financeiros e humanos. Passarão a ser responsáveis por autorizações e fiscalizações em locais longínquos e de difícil acesso, sem o necessário preparo ou amparo para exercer a fiscalização e coibir atividades de caça, captura oportunista e o tráfico de animais silvestres”, diz a organização. 

    Colatto é hoje diretor-geral do Serviço Florestal Brasileiro (SFB), autarquia que cuida das florestas nacionais e do Cadastro Ambiental Rural (CAR). Em 2019, a proposta foi desarquivada por estar ligada a outro projeto, o PL 1.019/2019, do deputado Alexandre Leite (DEM-SP).

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    À CNN, ele afirmou que o objetivo de seu PL foi distorcido e usado de forma negativa, ao ser batizado de “PL da Caça”, inclusive por outros parlamentares. “Isso pegou e ficou carimbado. O que o PL busca fazer é o controle da fauna quando esta está fora de controle”, argumenta.

    “Colocamos projeto para ser discutido na câmara, colocaram a manchete sobre liberar a caça, compraram como verdadeiro e não me elegi na última votação porque me colocaram como um bandido que queria liberar a caça. Não era nada disso.”

    Colatto disse ter ficado surpreso com o desarquivamento do texto no ano passado. “Não conheço [o deputado Alexandre Leite] e nunca falei como ele, mas é uma praxe no Congresso se analisar PLs arquivados e, se entender que é bom defender aquela causa, reapresenta-los.”

    Há outros projetos em tramitação na Câmara sobre o assunto. Propostas do deputado Rogério Peninha Mendonça (MDB-SC) e do deputado licenciado e atual ministro da Cidadania, Onyx Lorenzoni (DEM-RS), propõe retirar do governo federal a emissão de licenças de casa.

    Peninha propõe que esta seja assumida pelos estados. Onyx, pelos municípios. Já um outro projeto de Mendonça e as propostas do deputado Alexandre Leite e do senador Marcos Rogério (DEM-RO) tratam da criação de um estatuto para regularizar a situação dos chamados CACs — sigla para colecionador, atirador e caçador. 

    Fiscalização

    A bióloga Angela Kuczach classifica como “pífia” a fiscalização e o monitoramento de caça. “Seja por falta de pessoal, de recurso, ou de inteligência, você está dando arma para o caçador e dizendo ‘vá para o mato que caçar não tem problema, ninguém vai te pegar.’”

    A CNN pediu um posicionamento do Ministério do Meio Ambiente e do Ibama sobre a fiscalização da prática da caça no Brasil, incluindo o número de operações e autuações mais recente, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem.

    Um artigo de 2019 da revista Perspectives in Ecology and Conservetion (Perspectivas em Ecologia e Conservação), publicação de alcance internacional da Associação Brasileira de Ciência Ecológica e Conservação, aponta que a prática ilegal da caça está amplamente difundida e enraizada na cultura do país.

    “Independentemente de haver ou não mudança na legislação federal, há um amplo consenso – entre acadêmicos, profissionais e gestores da vida selvagem – que a caça é uma questão importante de conservação no Brasil”, dizem os pesquisadores.

    “Em contraste, a aceitação social da caça geralmente é maior nas áreas rurais, onde os meios de subsistência são tradicionalmente mais dependentes da exploração de recursos naturais”.

    Denúncias podem ser feitas pela chamada Linha Verde, do Ibama, no número 0800 61 8080.

    (Com informações de Guilherme Venaglia)

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