STF suspende produção de relatórios do Ministério da Justiça contra servidores
Oito ministros seguiram o voto da relatora, ministra Cármen Lúcia, emitido na quarta-feira (19); somente Marco Aurélio divergiu
Por nove votos a um, o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) determinou, nesta quinta-feira (20), a suspensão de “todo e qualquer ato do Ministério da Justiça de produção ou compartilhamento de informações sobre a vida pessoal, escolhas pessoais e políticas, práticas cívicas dos cidadãos, servidores públicos identificados como integrantes de movimento político antifascista”.
Oito ministros seguiram o voto da relatora, ministra Cármen Lúcia: Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Dias Toffoli. Marco Aurélio Mello divergiu. O ministro Celso de Mello está de licença e não participou do julgamento.
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Os ministros determinaram a suspensão “todo e qualquer ato do Ministério da Justiça de produção ou compartilhamento de informações sobre a vida pessoal, escolhas pessoais e políticas, práticas cívicas dos cidadãos, servidores públicos identificados como integrantes de movimento político antifascista”.
O plenário da corte começou a julgar nesta quarta-feira (19) ação do partido Rede Sustentabilidade. Na ação, a Rede pedia ao STF a “imediata suspensão da produção e disseminação de conhecimentos e informações de inteligência estatal produzidos sobre integrantes do ‘movimento antifascismo’ e professores universitários.”
“Dossiê antifascista”
A existência do relatório foi revelada pelo UOL. Segundo a reportagem, “o Ministério da Justiça colocou em prática, em junho, uma ação sigilosa sobre um grupo de 579 servidores federais e estaduais de segurança identificados como integrantes do ‘movimento antifascismo’ e três professores universitários”.
Ontem, a relatora votou a favor da suspensão “todo e qualquer ato do Ministério da Justiça de produção ou compartilhamento de informações sobre a vida pessoal, escolhas pessoais e políticas, práticas cívicas dos cidadãos, servidores públicos identificados como integrantes de movimento político antifascista”.
Veja como votou cada ministro:
Alexandre de Moraes
Na sessão desta quinta (20), o primeiro a votar, ministro Alexandre de Moraes, seguiu a relatora e classificou o ato como “extremamente perigoso e há um desvio de finalidade”.
“A utilização das informações do poder do Estado, do sistema brasileiro de inteligência, para separar quem o relatório de Inteligência acha que é a favor ou contra (o governo) e, partir daí, comunicar autoridades. Isso é extremamente perigoso e, a meu ver, há um desvio de finalidade. O que mais me preocupou, o que mais me parece desvio de finalidade é tentativa de órgãos de inteligência de tentar planilhar as preferências políticas e filosóficas de agentes policiais sem que eles tivessem praticado qualquer atividade ilícita”, disse Alexandre.
Alexandre de Moraes disse também que alguns relatórios de inteligência contidos no dossiê produzido pelo Ministério da Justiça parecem mais “clipping jornalístico”, contêm informações precárias ou de fatos pretéritos que, segundo o ministro, não têm nenhuma relevância. Os dados, afirmou, foram retirados da internet e não incluem informações sigilosas que necessitariam de autorização judicial para serem obtidos pelo sistema de inteligência do governo.
“Obviamente, não é permitido ao Ministério da Justiça e nenhum órgão que faz parte do Sistema de Inteligência bisbilhotar, ou fichar, ou ainda estabelecer classificações, seja de servidores, seja de particulares, para com isso enviar a outros órgãos”, disse hoje o ministro Alexandre de Moraes.
Edson Fachin
O ministro Edson Fachin também seguiu a relatora em razão do aparente desvio de finalidade do órgão de inteligência do MJ. Segundo o ministro Fachin, a administração pública não pode ter o direito de listar inimigos do regime; “só em governos autoritários é que se pode cogitar dessas circunstâncias”, afirmou.
Luís Roberto Barroso
O ministro Luís Roberto Barroso explicou que, sempre que se lida com a atividade de inteligência, é preciso ter em conta o risco que ela oferece de abuso de poder a todos os governos e governantes.
Rosa Weber
A ministra Rosa Weber afirmou que “o poder arbitrário sem o freio das leis, exercido no interesse do governante e contra os interesses do governado, o medo como princípio da ação, traduz as marcas registradas da tirania.”
“Relatórios de inteligência não podem ter como alvo uma ideologia específica, ou sua ameaça, independentemente da ideologia que expressa. Em uma democracia, ninguém deve temer represálias por apenas expressar uma opinião, uma crença um pensamento não endossado por quem ocupa posição de autoridade. Um Estado constitucional não admite que sejam as ações do Estado orientadas pela lógica do pensamento ideológico”, explicou.
Luiz Fux
Fux formou maioria ao também seguir o voto da relatora e classificou os relatórios de inteligência como “relatórios de desinteligência”. “Comparar processo de inteligência capitaneado pelo ministro Alexandre de Moraes torna esse documento absolutamente inócuo. O que se contém no documento são fatos impassíveis de ser objeto de relatório de inteligência. Dever-se-ia denominar relatório de desinteligência. Para que não serve serviço de inteligência? Exatamente para os fins mencionados”, afirmou.
Para Fux, o “efeito silenciador do relatório, inibe servidores públicos e professores, difunde a cultura do medo, “Inclusive esse relatório é a cultura do medo baseada em um nada”.
Ricardo Lewandowski
Já o ministro Ricardo Lewandowski afirmou que não se admite que num Estado democrático de Direito se elaborem dossiê contra cidadãos, os quais contêm informações sobre suas preferências ideológicas, políticas, culturais, artísticas, ou inclusive de caráter afetivo.
“Se isso ocorreu, e de fato, no passado recente, sob o regime militar, isso se deu, ou se ainda ocorre, é algo que será ainda avaliado ao longo deste feito
O que não se admite é que num estado democrático de direito se elabore dossiês sobre cidadãos dos quais constem informações quanto às suas preferências ideológicas, políticas, religiosas, culturais, artísticas ou, inclusive e especialmente, de caráter afetivo. Se isso ocorreu, e de gato num passado recente sob o regime militar isto se deu, ou se ainda ocorre é algo que será ainda avaliado ao longo deste feito, sobretudo quando da prolação da decisão de mérito. O que eu acho importante é que o STF estabeleça desde logo alguns parâmetros para esta importante atividade estatal, para que nós não revivamos a história recente, e desta vez como farsa”, disse.
Gilmar Mendes
O ministro Gilmar Mendes defendeu que os dossiês impugnados teriam sido produzidos não em virtude do risco ou da atuação preventiva do Seopi “para evitar a ocorrência de eventuais atos criminosos ou terroristas, mas sim em virtude do exercício da liberdade de expressão, pura e simples, e de crítica das pessoas monitoradas, o que é incompatível com o regime de proteção às liberdades constitucionalmente estabelecidas.”
Gilmar Mendes afirmou que a indevida intervenção estatal, com mecanismos de vigilância, é incompatível com a liberdade constitucionalmente concedida. “Os mecanismos estatais de inteligência devem ser submetidos a limites. O próprio presidente da República declara opiniões negativas contra os grupos antifa que se manifestam contra o atual governo, os critica ‘marginais e terroristas’.”
Marco Aurélio Mello
O ministro Marco Aurélio foi o único a divergir, votando pela inadequação da ação ajuizada e, por conseguinte, pela extinção do processo sem apreciação do mérito. Para o vice-decano, a ADPF existe para evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato Federal. O ministro ainda afirmou que o objeto da ação é pouco para respaldar o uso e o ajuizamento da ADPF.
“A Rede Sustentabilidade levanta a bola da imprensa meio à síntese dos fatos que motivaram o ajuizamento dessa ADPF, de tédio nós não morremos. A Rede estava entediada para saber todos os incluídos no documento realizado pela inteligência?”
O ministro disse ainda que em um estado democrático de direito, o centro político é o parlamento. Segundo o ministro, parlamento no Brasil no âmbito federal retratado nas duas casas do Congresso Nacional, a Câmara dos Deputados e o Senado da República, que inclusive contam com o instituto da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), que inclusive pode convocar titular de pasta da Esplanada visando prestar esclarecimentos.
“Mas insiste-se em deslocar matéria estritamente política para o Supremo, provocando um desgaste incrível em termos de Poder Judiciário. Mais uma vez digladiam-se partido de esquerda, da oposição, e governo, sabidamente de direita. Indago a mim mesmo, e respondo a esta indagação: isso é bom para a democracia, para o fortalecimento do estado democrático de direito? A resposta é desenganadamente negativa, não se avança culturalmente dessa forma”, defendeu.
Dias Toffoli
O presidente do Supremo foi o último a votar e seguiu a relatora. “Não podemos fazer injustiças com pessoas que dedicam a vida pública ao Estado brasileiro de maneira correta. Há muitas pessoas que às vezes aparecem na imprensa bem na foto, mas são péssimas na vida pública e nas vidas que elas têm criando fundos para administrarem, criando inimigos políticos para depois serem candidatos, e afastando as pessoas da vida pública e querendo galgar, depois, eleições futuras. Para bom entendedor meia palavra basta”, afirmou.