Um problema chamado vestibular
Ou tratamos ou comprometemos todo o corpo. Esse é o diagnóstico de uma parte importante da nossa educação.
Quando em 1911, o então Ministro da Justiça, Rivadária Corrêa decidiu fazer um exame para selecionar quem poderia entrar nas universidades públicas, talvez jamais pudesse imaginar o que isso causaria na educação por décadas e décadas. O elemento a ser utilizado como pedra de arremate da meritocracia e seleção dos melhores alunos, acabou se tornando o mais importante limitador e balizador das ementas acadêmicas do nosso ensino médio.
A razão se inverteu.
Desde algum tempo, por diversas razões, o modelo de vestibular tradicional no Brasil vem sendo questionado, seja pela ênfase excessiva na memorização, em detrimento do desenvolvimento de habilidades essenciais — como o pensamento crítico, a criatividade e a capacidade de resolver problemas complexos — ou pela falta de atualização dos conteúdos exigidos.
Do mesmo modo, um dos principais problemas dos modelos de vestibulares tradicionais é a seleção baseada exclusivamente em notas altas e classificações, que nem sempre refletem as habilidades, o potencial e o mérito real dos candidatos.
Por exemplo: você contrataria alguém para sua casa, organização ou empresa, por uma simples e única prova, sem nunca olhar o candidato nos olhos? Sem avaliar seu comportamento social? Emocional? Acredite ou não, é isso que a vasta maioria das universidades brasileiras faz.
Valoriza-se muito mais a capacidade de reproduzir informações específicas em matemática, ciências e língua portuguesa, exemplificativamente, do que a compreensão profunda dos temas abordados. Constantemente, deixa-se à deriva habilidades importantes e necessárias para os projetos de vida e carreira.
E há saída?
Sim. Vários países ao redor do mundo têm adotado ou modificado seus sistemas de avaliação para além dos modelos tradicionais, tais quais conhecemos. Como o caso da Finlândia, país em que a aprendizagem por meio de projetos, avaliações formativas contínuas e abordagens mais personalizadas, é incentivada em meio às provas de vestibular.
O mesmo acontece nos Estados Unidos e Canadá, onde muitas universidades não se baseiam exclusivamente em notas escolares para a admissão, mas levam em consideração, por outro lado, um conjunto mais amplo de critérios, incluindo atividades extracurriculares, declarações pessoais, trabalhos sociais, cartas de recomendação e portfólios que destacam as habilidades e interesses dos estudantes. Finalmente estamos dando adeus às provas padronizadas.
É chegada a hora de perceber e valorizar habilidades e competências múltiplas, que são requeridas na vida adulta e naquilo que chamamos de “mundo real”. Howard Gardner, psicólogo ligado à Universidade de Harvard, sugere que os seres humanos possuem diferentes formas de inteligência que vão muito além do que entendemos como QI tradicional.
Habilidades linguísticas, lógico-matemáticas, espaciais, musicais, corporais-cinestésicas, interpessoais, intrapessoais e naturalistas estão diretamente relacionadas ao nosso cotidiano e integrar esse conceito nos vestibulares pode ser uma maneira de avaliar uma variedade mais ampla de virtudes e talentos dos estudantes.
Infelizmente, preferimos cobrar “mitose/meiose” ao invés de valorizarmos um bom esportista. Infelizmente, “Bentinho e Capitu” falam mais alto do que um bom orador. Infelizmente, a equação trigonométrica conta mais ponto do que o bom resolvedor de problemas. Infelizmente, decorar a história da arte se sobressai ao artista.
Não se trata de um em detrimento do outro. Trata-se de dar o valor correto ao que realmente tem maior valor. O dia em que alterarmos a forma como avaliamos os nossos jovens, teremos alterado a nossa educação.
Há esperanças!
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