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    ONG que atua em área Yanomami diz que faltam insumos do governo federal

    A organização já alertou o governo sobre a situação em 2019 e se ofereceu para adquirir esses insumos por conta própria, mas a proposta foi rejeitada pelos então responsáveis

    Gabriel Hirabahasida CNN , em Brasília

    A organização responsável pela contratação de trabalhadores de saúde para assistência na reserva Yanomami afirmou que convive, há anos, com a falta de insumos fornecidos pelo governo federal.

    Em entrevista à CNN, o advogado Cleverson Daniel Dutra, que representa a Missão Evangélica Caiuá (principal favorecido de convênios nessa área), afirmou que o maior problema enfrentado pelos profissionais de saúde tem sido a falta de insumos, como luvas, seringas e medicamentos básicos.

    Além disso, a organização já alertou o governo em 2019 e se ofereceu para adquirir esses insumos por conta própria, mas a proposta foi rejeitada pelos então responsáveis pela política de assistência de saúde aos indígenas no governo de Jair Bolsonaro (PL).

    A Missão Evangélica Caiuá recebe a maior fatia de recursos das ações de promoção, proteção e recuperação da saúde indígena. Segundo dados do Portal da Transparência, somente nos últimos quatro anos (de 2019 a 2022), a organização recebeu mais de R$ 872 milhões dos cofres públicos. Em troca, contratava profissionais de saúde para trabalharem em comunidades indígenas em vários estados do país.

    Atualmente, segundo Dutra, a Missão Evangélica Caiuá tem nove convênios com o governo. O elo com o poder público já foi maior no passado. Em 2018, ele afirma, a organização atingiu o ápice de contratos, atendendo 19 convênios e recebendo mais de R$ 400 milhões em um único ano.

    De acordo com o advogado, os profissionais contratados pela entidade vinham conseguindo acessar as aldeias indígenas, mas enfrentavam problemas com os insumos em falta.

    “Os nossos profissionais estavam entrando [na área Yanomami] e não tinham insumos necessários para trabalharem de forma segura (…) O governo não estava suprindo os profissionais com os insumos necessários”, disse. “Isso já acontece há um bom tempo. Desde 2011, 2012, temos esse problema. Luva, seringa, medicamentos básicos para atender. Muitas vezes não tinha nem uma dipirona para receitar e dar.”

    Questionado se o governo federal já foi informado dessa falta de insumos nos últimos anos, Dutra disse que não houve comunicados oficiais nesse sentido. Apesar disso, ele afirmou que o governo tem conhecimento do assunto, já que os profissionais contratados pela missão prestam serviços à Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), vinculada ao Ministério da Saúde.

    “Quem organiza isso é o próprio governo, a Sesai e o DSEI (Distrito Sanitário Especial Indígena). Eles sabem que está faltando medicamentos, mesmo assim acabam enviando os profissionais sem os insumos necessários. O governo sabe, tem conhecimento”, relatou.

    O advogado da Missão Evangélica Caiuá completou: houve uma reunião em 2019 em Brasília na qual os representantes da entidade se colocaram à disposição para adquirir os insumos e evitar esse tipo de problema. A solução seria fazer um “aditivo” no contrato (ou seja, um acréscimo) para aumentar o pagamento para que a missão comprasse esses produtos.

    “Em 2019, a gente até solicitou em uma reunião com a Sesai que a gente pudesse colocar dentro do plano de trabalho do convênio a possibilidade de comprarmos alguns insumos, pelo menos o básico. O governo disse que não precisava, falou que ia centralizar essas compras na Sesai e distribuir com os DSEI. O governo disse que assumia a responsabilidade”, disse.

    À época da reunião, segundo Dutra, a Secretaria Especial de Saúde Indígena era comandada por Silvia Waiãpi, deputada federal eleita pelo PL do Amapá. A CNN entrou em contato com Silvia e enviou questionamentos sobre essa reunião e as acusações de falta de insumos, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem.

    Silvia Waiãpi foi indicada pelo ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta ao cargo e contou com o apoio da ex-ministra Damares Alves. Atualmente, Waiãpi é alvo do inquérito que apura a conduta de congressistas em relação ao ato golpista de 8 de janeiro em Brasília. Além disso, a deputada é acusada de ter usado dinheiro do fundo eleitoral para realizar uma cirurgia estética de harmonização facial. Ela nega as acusações.

    A Missão Evangélica Caiuá presta serviços em diversas regiões, entre elas no Mato Grosso do Sul (onde a entidade está sediada) e na reserva Yanomami, onde conta com cerca de 800 profissionais atualmente.

    Nos últimos quatro anos (de 2019 a 2022), a ONG afirma que o contrato para a prestação de serviços na área Yanomami era de R$ 182 milhões. Apenas R$ 170 milhões teriam sido pagos por causa de contingências nesse período (como limitações do teto de gastos). A redução, porém, não teria afetado os serviços, segundo o advogado da Missão Evangélica Caiuá.

    A situação dramática do povo Yanomami levou o governo federal a decretar emergência em saúde pública na região. Desde a última sexta-feira (16), profissionais do Ministério da Saúde se encontram no território e identificaram um cenário desolador.

    Crianças e idosos das aldeias estavam em estado grave de saúde, com desnutrição grave, além de muitos casos de malária, infecção respiratória aguda e outros problemas.

    A CNN entrou em contato com o Ministério da Saúde em busca de um posicionamento sobre as declarações do advogado da Missão Evangélica Caiuá, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem. Caso haja resposta, este texto será atualizado.

    Após a publicação desta reportagem, o advogado Cleverson Daniel Dutra entrou em contato com a CNN para dizer que em 2020 uma sugestão do mesmo tipo foi feita à Secretaria Especial de Saúde Indígena, tendo sido novamente rejeitada.

    À época, o secretário era Robson Santos da Silva. A CNN busca contato com Silva. Caso haja manifestação, este texto será atualizado.

    Segundo o advogado, um dos argumentos contra a aquisição dos insumos por parte da própria ONG é um acórdão do Tribunal de Contas da União (TCU) contrária às aquisições de insumos por meio dos convênios com a entidade.

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