O Governo Lula e as Forças Armadas
O início do governo Lula tem sido marcado por forte tensão no relacionamento com as Forças Armadas. Essa situação, que já vinha se evidenciando antes da posse, ainda no período de transição, acabou por se agravar em decorrência dos atos golpistas de 8 de janeiro. Seja por ação de militares, seja por omissão, as Forças Armadas acabaram por se ver associadas, de forma indiscutível, com aqueles eventos manifestamente criminosos e antidemocráticos, que objetivaram a desestabilização do novo governo.
A reação do governo foi imediata, com manifestações públicas do presidente da República de falta de confiança nas Forças Armadas e a consequente adoção de diversas medidas. Por oposição ou espírito de cautela, tem havido críticas a essa reação, que, no entanto, não se justificam, já que a postura do governo em nada contraria a ordem constitucional e jurídica brasileira.
Essas medidas governamentais têm sido de três tipos: (a) investigação dos atos de 8 de janeiro por órgãos do Executivo, e apoio às investigações de outros Poderes, para apuração dos responsáveis pelas diversas condutas criminosas registradas naquela ocasião, inclusive militares da ativa e da reserva; (b) remoção e substituição de militares em cargos de confiança, inclusive o Comandante do Exército; (c) adoção de iniciativas voltadas à reforma e modernização das Forças Armadas. Sobre cada uma dessas diferentes modalidades de atuação cabem algumas considerações.
A adequada investigação dos eventos de 8 de janeiro é absolutamente normal, não como como possibilidade política, mas como dever dos órgãos do Estado, entre os quais a Polícia Federal e outros ligados ao Poder Executivo, incluídos os de natureza militar. A circunstância de que, nessa apuração, haja a identificação da participação de militares, como já se vem comprovando, em nada deve afetar a decorrência natural de instauração de procedimentos administrativos e judiciais para fixação da responsabilidade criminal de todos os autores de atos ilícitos.
Já a nomeação de agentes públicos, inclusive militares, para cargos de confiança cujo provimento a legislação reserve ao presidente da República se constitui em mero exercício de prerrogativa do novo presidente. É natural, e, tendo em vista os acontecimentos recentes, plenamente compreensível, que o presidente Lula nomeie para a posição de Comandante do Exército um militar que preencha os requisitos legais e com o qual se sinta seguro. Até mesmo por conta de sua condição constitucional de autoridade suprema das Forças Armadas, acima, portanto, do Ministro da Defesa e dos comandantes das três armas.
Por fim, a preocupação com a reforma e modernização das Forças Armadas se insere no rol de assuntos relacionados à estrutura e às políticas públicas do Estado que compõem a agenda óbvia do presidente da República. Ao tratar com o Ministro da Defesa e os comandantes militares do reequipamento das Forças Armadas, como fez logo no início do governo, o presidente Lula retomou uma linha de ação que, objetivando boas relações institucionais, marcou seus governos anteriores.
Em relação a essa terceira dimensão da ação governamental, cabe observar, no entanto, que o empenho na reforma e modernização das Forças Armadas não pode se resumir ao tema dos equipamentos bélicos e operacionais. Os acontecimentos de 8 de janeiro e, mais do que isso, a fragilidade que a estrutura militar evidenciou diante do assédio abusivo e subversivo do presidente anterior, revelam a necessidade de que as mudanças tenham impacto na redefinição dos valores e da cultura organizacional das Forças Armadas. Modernizar significa, acima de tudo, no contexto atual do Brasil e do mundo, sintonizá-las com o respeito à democracia e à promoção dos direitos humanos, que se constituem em pilares civilizatórios.
Nesse processo, deverão ser levadas em consideração, entre outros elementos, as recomendações de 2014 da Comissão Nacional da Verdade. Nelas figura, por exemplo, a necessidade de reforma dos currículos das academias militares para valorização do ensino dos direitos humanos, fundamento da ordem constitucional brasileira, mas, também, das missões de paz que, em nome da ONU, as Forças Armadas do País têm realizado no exterior.
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