Novo ano e velhas preocupações: combustíveis!
Não é de hoje que se ouve por aí comentários relacionados ao poder de mercado de postos revendedores de combustíveis e o grande impacto que alterações significativas nos níveis de preços desses produtos geram no bolso dos consumidores brasileiros.
Oscilações de preços são comuns e devem ocorrer em um ambiente concorrencial saudável, onde a Lei da Oferta e Demanda gera preços e quantidades de equilíbrio.
Entretanto, em diversos momentos o que se tem observado é que os movimentos de aumento de preços não possuem uma relação direta com as chamadas forças do mercado, mas sim com acordos entre concorrentes, tácitos ou explícitos. Ao combinarem preços, quantidade, áreas de atuação, dividir mercados ou fraudarem licitações, estamos diante da infração à ordem econômica mais severa e prejudicial aos consumidores, o chamado cartel.
O cartel é um ilícito concorrencial que gera grande ineficiência nos mercados, visto que ao impor preços mais elevados ou quantidades menores tem-se uma redução do bem-estar dos consumidores que poderiam estar em uma situação melhor caso esse acordo entre concorrentes não ocorresse. Ou seja, os consumidores poderiam consumir a menores preços e maiores quantidades aquele bem, que geraria um maior nível de satisfação para eles. Ademais, com a colusão, não há a necessidade de disputar a preferência do consumidor e, portanto, há uma certa acomodação das empresas em não investirem em melhorias da qualidade dos produtos e serviços e em inovação. Assim, os cartéis só trazem prejuízos a sociedade de maneira geral e não apresentam nenhum benefício econômico compensatório, o que pode acontecer em outros tipos de condutas passíveis de análise da autoridade concorrencial.
No Brasil, segundo a Lei de Defesa da Concorrência (LDC), o CADE é o grande responsável por investigar indícios de infrações à ordem econômica e atuar de forma repressiva, impondo penalidades quando se identifica indícios de algum tipo de coordenação entre os concorrentes do mercado, por exemplo para aumentar o nível de preços de determinado bem/serviço, conforme previsto no art. 36 da LDC.
Uma das formas de se iniciar uma investigação de cartel no CADE é o recebimento de informações acerca da possível infração via seu canal de denúncias disponível no site da autarquia. Além disso, mais recentemente, com o Projeto Cérebro, o CADE tem utilizado mineração de dados e inteligência artificial para aplicar testes de screening que detectam comportamentos comuns de conduta colusiva.
Quem nunca ouviu alguém comentando “isso só pode ser cartel” ao perceber que vários concorrentes estão cobrando o mesmo preço por um bem/serviço? De fato, isso pode ser um indício, mas nem sempre é. A identificação da existência de paralelismo de preços não é suficiente para se concluir que está ocorrendo um cartel e consequentemente responsabilizar o agente. É necessário que se demonstra mais do que isso. Muitas vezes, esse paralelismo se dá pelas próprias características do mercado e não necessariamente pela combinação entre os concorrentes.
Em relação ao mercado de revenda de combustíveis, observa-se que este é um velho conhecido do CADE, especialmente nas medidas relativas a repressão a práticas anticompetitivas, representando cerca de 10% das decisões realizadas pelo Tribunal do CADE em âmbito de Processos Administrativos nos últimos dez anos (2012-2022) e totalizando acima de R$ 650 milhões (soma nominal dos valores) em multas aplicadas. É importante ressaltar que esse valor é muito mais elevado se considerarmos casos que resultaram em acordos, que impuseram também contribuições pecuniárias ao Fundo de Direito Difusos.
Vale destacar que este mercado possui características estruturais que acabam de certa forma favorecendo a ocorrência das condutas anticompetitivas, especialmente, dos cartéis, como: homogeneidade do produto, questões produtivas e regulatórias (ANP), concentração histórica em toda a cadeia desde a produção, distribuição e revenda em um número reduzido de players, dentre outras.
A virada do ano sempre nos traz renovação e esperança, mas também nos lembra que velhas preocupações são atemporais e que a solução para elas está no incansável trabalho daqueles que foram vocacionados para isso. O CADE jamais se furtará em cumprir sua missão institucional de prevenir e reprimir os abusos de posição dominante, sejam eles colusivos ou unilaterais na defesa da concorrência.
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