O Brasil precisa voltar a ser protagonista nas políticas de HIV/Aids
Neste dia primeiro de dezembro é comemorado o Dia Mundial de Combate à Aids, data mais importante do movimento que há mais de 40 anos luta por tratamento e dignidade para as pessoas que vivem com este vírus.
Não podemos falar do futuro sem lembrar do passado. Quando o vírus surgiu, nos anos 80, muitos tabus foram criados em torno das pessoas que estavam sendo infectadas. “Peste gay, castigo divino, câncer gay”, entre outros. Todos os adjetivos escondiam aquilo que a sociedade era, e continua sendo: homofóbica.
O conservadorismo em torno de uma prática sexual específica, que não é a única que pode se infectar com o HIV, dificultou muito o avanço das pesquisas sobre o novo vírus da época, mas logo um ativismo sobre o tema foi criado por aqueles que viam seus iguais, seus familiares e suas pessoas amadas indo embora. É neste momento que eu começo a minha luta no final dos anos 80.
Com a pressão feita pelos movimentos de Hiv/Aids, as pesquisas sobre o vírus avançaram. A primeira conquista foi a descoberta de um coquetel de medicamentos que aumentava a expectativa e qualidade de vida das pessoas que viviam com o HIV. Este tratamento foi evoluindo e hoje uma pessoa que vive com o vírus, e realiza o tratamento de forma correta, tem uma vida normal e saudável como qualquer outra. Inclusive deixa de transmitir o vírus para outras pessoas ao realizar o tratamento e se tornar indetectável.
Além do tratamento, a prevenção também teve grandes ganhos. A Prep e a Pep hoje são os meios mais eficazes de evitar que novos casos ocorram, com medicamentos que barram a entrada do vírus no organismo, unidos ao uso da camisinha. Tudo isso oferecido pelo SUS. Ou pelo menos era para ser.
O Brasil se tornou referência na política de combate ao HIV/Aids. O nosso país foi pioneiro no tratamento quando em 1996 o governo de Fernando Henrique Cardoso conseguiu negociar a compra do coquetel antiviral da Aids a preços mais baixos e distribuiu gratuitamente remédios para a população brasileira se tornando em 1996 uma lei federal.
Em 2007, sob o governo Lula, não houve negociação de preços e o Brasil precisou quebrar a patente de outras drogas para o coquetel de tratamento da Aids e virou referência mundial no controle da doença. Em 2014, sob o governo Dilma, o Fundo Positivo foi fomentado. Essa instituição, a qual eu fundei e sou coordenador geral, foi pioneira no país como um fundo privado, temático, que arrecada investimento e redistribui para organizações que trabalham com HIV/Aids em todo o Brasil. Do Oiapoque ao Chuí.
Essa constância de vitórias para o nosso movimento se quebrou neste ano. O governo de Jair Bolsonaro enviou ao Congresso, em outubro deste ano, o orçamento para 2023 o qual consta um corte de R$3,3 bilhões no orçamento do Ministério da Saúde. Essa não é a primeira vez que o atual governo ataca as políticas de HIV/Aids, mas foi a mais grave.
A medida atingiu 12 programas da pasta, entre eles o que distribui medicamentos para tratamento de aids, infecções sexualmente transmissíveis e hepatites virais. Somente nesta frente, o ministério perdeu R$407 milhões, quando comparados aos orçamentos propostos para 2022.
Não podemos permitir que isso aconteça no país que, depois de muita luta, se transformou no símbolo de políticas públicas para HIV/Aids. Não podemos permitir que um estereótipo preconceituoso volte e as pessoas que vivem com o vírus sejam tratadas como “gastos”. Não podemos permitir o retrocesso.
No último dia 24, em São Paulo, o Fundo Positivo realizou um encontro com organizações e militantes de todo o Brasil. Nela, escrevemos juntos uma carta que será entregue hoje ao governo de transição pedindo que esses cortes sejam retirados do orçamento de 2023.
As pautas que reivindicamos são: Recomposição da estrutura institucional do Departamento de HIV/AIDS e Hepatites Virais; Reconstituição do orçamento das políticas de combate a AIDS no Sistema Único de Saúde; Garantia de investimento em pesquisa científica e incorporação de novas tecnologias no SUS, assim como a manutenção e acesso das existentes (PREP e PEP); Ampliar e qualificar ações de comunicação; A implementação da redução de riscos e danos; Trabalhar para uma abordagem multifacetada e intersetorial, visando ampliar a realidade da integralidade do SUS; A garantia da interseccionalidade e da intersetorialidade nas políticas de combate à AIDS; Fortalecimento da política de Saúde Mental.
Hoje é dia de lembrar do passado para construir o futuro. O Brasil precisa ser o país da esperança, do SUS e da referência no tratamento de HIV/Aids. Nenhum passo atrás.
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