O Brasil pós-COP27
Terminada a 27ª conferência do clima das Nações Unidas no Egito, neste final de semana, o governo brasileiro deverá divulgar os dados de desmatamento da Amazônia capturados pelo sistema PRODES do Instituto Nacional de Pesquisa Espacial (INPE). Será quando teremos o retrato mais atualizado do tamanho do desafio que o próximo governo enfrentará em relação à sua agenda climática e ambiental.
Não há outro caminho: ou o Brasil acaba com o desmatamento ou o desmatamento acaba com o Brasil – atualizando uma famosa frase do século 19 que desdenhava da biodiversidade brasileira.
Detalhe: há pouco mais de um ano, pesquisadores descobriram em colônias de formigas um novo complexo anti-fúngico que se mostrou capaz de combater um microrganismo que causa doenças em humanos. Este é apenas um dos muitos exemplos de como a subestimada biodiversidade brasileira é rica e pode sustentar inovações em vários campos, inclusive nos arranjos econômicos.
O novo governo parece ter entendido isso. Não se trata mais apenas da Amazônia, apesar de sua enorme importância para o clima e a biodiversidade global: é preciso eliminar todo o desmatamento e de todos os biomas – promessa que o presidente eleito Luís Inácio Lula da Silva fez em seu primeiro discurso logo após ser eleito, e repetiu em sua passagem pela COP27.
Foi um recado para o mundo: a melhor prova, possível de ser dada antes da posse, em 1º de janeiro, de que o Brasil voltou com toda força à diplomacia climática internacional. Mas foi também um recado para os brasileiros da direção que os esforços governamentais seguirão. Por esforços, entenda-se políticas públicas, acordos internacionais, financiamentos e outras formas de estímulo. A largada só será dada em 1º de janeiro, mas o percurso da corrida já está claro.
Antes da largada, porém, há uma parada importante no Canadá, a partir de 7 de dezembro – data de início da 15ª Conferência de Biodiversidade. Ela tem uma missão hercúlea: fechar um acordo global para a preservação da biodiversidade, com estrutura e ambição similar ao Acordo de Paris.
Estamos falando de acordos-irmãos, que se beneficiam mutuamente: preservar a biodiversidade contribui para as metas climáticas e vice-versa. Para um país que possui entre 15% e 20% da biodiversidade global, como o Brasil, este novo tratado tem importância estratégica. Ele poderá reforçar as bases de formas mais inclusivas de preservação e abrir ainda mais as portas para fundos internacionais criados para financiar a conservação da biodiversidade.
O Brasil se encontra entre os países mais penalizados pela elevação da temperatura do planeta. Já sofremos as consequências na forma de enchentes e deslizamentos e as consequentes perdas de vidas, na irregularidade do regime de chuvas que compromete o fornecimento de eletricidade e a produção de alimentos, gerando inflação.
A crise climática empobrece e mata e, no caso do Brasil, as atividades que mais geram os gases que estão turbinando essa crise também empobrecem. Refiro-me ao desmatamento e às queimadas que, juntos, respondem por metade dos gases de efeito estufa emitidos pelo Brasil. Basta olhar para índices de desenvolvimento humano e social dos municípios onde mais se desmata e queima para constatar que não houve desenvolvimento econômico ou social.
No cerne da luta contra a crise climática e de biodiversidade está o desafio da desigualdade. Foram modelos excludentes, local, nacional ou globalmente, que nos trouxeram até a presente crise da natureza. Para enfrentá-la não existe outro caminho que não seja o de reduzir a pobreza e as injustiças sociais. Geração de empregos verdes, planejamento de infraestrutura resiliente às mudanças climáticas, fortalecimento da agricultura familiar e de baixo carbono, protagonismo aos povos indígenas e comunidades locais, são exemplos de fatores necessários nesta equação.
O Brasil tem todas as condições de mudar a sua trajetória de desenvolvimento nesta direção. A boa receptividade ao novo governo na COP27 sinaliza isso. A inclusão, no texto final da conferência, de considerações a florestas, serviços baseados na natureza e a sistemas alimentares é outro indicativo de que o mundo se volta para os pontos nos quais o Brasil pode oferecer uma enorme contribuição ao enfrentamento da crise climática. Mais um bom motivo para vestirmos a camisa amarela e torcermos pelo nosso país.
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