Vacinar-se é um ato de cidadania
Temos muito orgulho em dizer que o Brasil foi pioneiro em formular um dos maiores programas de vacinação do mundo criando, em 1973, o Programa Nacional de Imunizações (PNI), uma das principais referências mundiais em política pública e em acesso igualitário à prevenção de saúde hoje. Ao longo do tempo, o programa alcançou consideráveis avanços ao consolidar a estratégia de vacinação nacional.
O PNI oferece 19 vacinas de forma gratuita para pessoas de todas as idades e 45 diferentes imunobiológicos para toda a população. Ao longo dos anos, o sucesso na coordenação das ações de imunização contribuiu para a eliminação e controle de diversas doenças infecciosas no Brasil como, por exemplo, difteria, coqueluche, hepatite B, meningites, febre amarela e, por fim, a eliminação da poliomielite, que foi um dos grandes marcos da saúde pública brasileira.
Mas, este legado de grande orgulho ao nosso país está em risco. Isso porque as taxas de vacinação para diversas doenças estão em queda desde 2016, com destaque para a imunização infantil, que se encontra nos níveis mais baixos dos últimos 30 anos. A média de cobertura vacinal considerando as diversas doenças saiu de 95,07%, em 2015, para 40,91% até outubro de 2022.
A taxa de imunização contra a poliomielite, por exemplo, passou de 89,54% em 2018 para 84,19% em 2019; de 76,15% em 2020 para 69,93% em 20214. Em 2022, a Campanha Nacional de Vacinação Contra Poliomielite registrou apenas 67% de cobertura vacinal do público de 1 a 4 anos até o mês de outubro.
E esta não é uma realidade exclusiva do Brasil. Ainda trazendo o emblemático exemplo da pólio, temos visto, nestes últimos meses, a ressurgência de casos da doença em diversos países do mundo, como Malawi, Israel, Ucrânia e, mais recentemente, nos Estados Unidos. Além disso, o vírus da pólio foi detectado nos esgotos de Londres e Nova Iorque. A Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) classificou o nosso país como em alto risco de sofrer um surto de pólio, ao lado de nações como República Dominicana, Haiti e Peru.
E, quando falamos de retorno de doenças, não podemos nos enganar e pensar em casos isolados. O controle se torna muito mais alarmante e desafiador neste caso. Dados mostram que, para cada um caso da paralisia infantil registrado, significa que entre 100 e 1.000 pessoas foram infectadas, mas ainda não identificadas. Caso semelhante ocorreu em 2018, quando o Brasil perdeu o selo de eliminação de sarampo concedido em 2016 pela Organização Pan-Americana da Saúde. A doença, que é prevenível por vacina, até hoje afeta as nossas crianças, com casos confirmados nos estados de Amapá, São Paulo, Pará e Rio de Janeiro neste ano.
São muitos os fatores que explicam essa realidade. O fato de gerações mais novas não terem convivido com essas doenças infecciosas — portanto, criando a sensação de uma falsa segurança —, a disseminação de mitos e notícias falsas sobre vacinas, fatores atrelados ao planejamento da gestão pública e à pandemia tiveram seu papel em potencializar esse cenário.
O desafio para assegurar que a proteção à saúde conquistada no Brasil por meio da vacinação não seja perdida é grande. Para vencer os obstáculos, é necessário a mobilização de vários setores da sociedade, como o engajamento de líderes comunitários, organizações não governamentais, o nosso setor privado e instituições acadêmicas e científicas. Em conjunto, precisamos atuar em prol de campanhas educativas com maior impacto, fornecer capacitação aos profissionais de saúde e colaborar para o desenvolvimento do parque científico nacional.
Para além das vacinas em si, a tecnologia é outra forte aliada, por exemplo, no potencial de automatização da gestão das carteirinhas de vacinação. Vale mencionar também as diferentes formas de se levar imunização à população, já implementadas com sucesso em alguns locais do país, incluindo pontos de vacinação em locais públicos, como praças e shoppings, e pontos móveis, como carretas.
O caminho pode ser longo, mas não podemos baixar a guarda, afinal, enquanto uma criança estiver sob risco, todos estaremos. Mais do que nunca, é preciso diálogo e colaboração para a realização de ações contínuas, que, somadas ao acesso, serão fundamentais para a proteção da saúde dos brasileiros.
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