Americano mente ao falar que 5,1 milhões de votos foram roubados de Bolsonaro
A alegação foi feita em vídeo pelo empresário americano Michael Lindell, apresentado no conteúdo de desinformação como jornalista
Falso: É falso que 5,1 milhões de votos foram roubados do presidente Jair Bolsonaro (PL) na disputa do segundo turno das eleições de 2022, que teve Luiz Inácio Lula da Silva (PT) como vencedor. A alegação foi feita em vídeo pelo empresário americano Michael Lindell, apresentado no conteúdo de desinformação como jornalista. Ele é ligado à família Bolsonaro e a gravação foi compartilhada por outros apoiadores do presidente. Lindell também é investigado nos Estados Unidos na ação de invasão ao Capitólio (Congresso norte-americano). No Brasil, a Justiça Eleitoral confirmou o resultado da eleição que deu vitória a Lula e desmentiu a acusação de roubo.
Conteúdo investigado: Vídeo com uma descrição alarmista sugere ameaça à soberania nacional, alegando que o suposto jornalista Mike Lindell disse numa emissora de TV americana que cerca de 5 milhões de votos de Bolsonaro foram roubados através das urnas eletrônicas.
Onde foi publicado: Facebook, Twitter e Instagram.
Conclusão do Comprova: É falsa a alegação de que 5,1 milhões de votos foram roubados de Jair Bolsonaro (PL) na disputa pela Presidência do Brasil, vencida no dia 30 de outubro pelo seu adversário Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A afirmação foi feita pelo empresário americano e CEO da empresa My Pillow, Michael Lindell, apresentado no conteúdo aqui investigado como jornalista.
As declarações de Lindell foram reproduzidas por apoiadores de Bolsonaro nas redes sociais, mas não há qualquer comprovação do alegado roubo. O empresário faz conjecturas sobre as urnas eletrônicas, refutando a sua segurança, e diz que juízes corruptos não permitiram a impressão dos votos. As afirmações de Lindell seguem a linha do presidente e seus apoiadores, que com frequência atacam o sistema eleitoral brasileiro com conteúdos falsos e enganosos como o Comprova já demonstrou em verificações sobre eleições, a exemplo das publicadas em 15 de agosto e 6 de outubro, além de explicar o funcionamento e a fiscalização do código-fonte dos equipamentos que atestam sua integridade.
O empresário, que tem contato próximo com pelo menos um dos filhos de Bolsonaro, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), é conhecido nos Estados Unidos por apoiar o ex-presidente Donald Trump. Ele, inclusive, esteve envolvido em atos que também questionavam o desfecho da eleição presidencial americana, vencida em 2020 por Joe Biden. Lindell é investigado no processo de invasão ao Capitólio (Congresso dos Estados Unidos).
Por aqui, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) confirmou o resultado, dando vitória a Lula no mesmo dia da votação em segundo turno e ainda publicou, no site do órgão, matéria desmentindo o conteúdo do vídeo.
Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.
Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. No Twitter, até 9 de novembro, uma das publicações tinha mais de 49 mil curtidas, enquanto no Facebook chegou a 17 mil visualizações. O conteúdo foi apagado do Instagram.
O que diz o responsável pela publicação: O autor foi procurado pelas redes sociais, porém não deu retorno às mensagens até o fechamento da verificação.
Como verificamos: Primeiramente, utilizamos um recurso de tradução para analisar a fala do suposto jornalista norte-americano que aparece no vídeo e, em seguida, encontramos onde o vídeo foi publicado. Assim, foi possível identificar que não se tratava de uma matéria jornalística, e sim, de um vídeo do empresário Michael Lindell publicado em sua própria plataforma, chamada “Frank”.
Buscando o nome de Lindell no Google, os primeiros resultados apontam para “Mike Lindell Bolsonaro”, ‘Mike Lindell rumble Brazil” e “Mike Lindell Brazil Bolsonaro”, indicando a relação com o presidente brasileiro. Em notícias de veículos norte-americanos, foi possível identificar o histórico do discurso do empresário contra os resultados das eleições nos Estados Unidos.
Além disso, buscamos esclarecimentos do Itamaraty e do Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal (TRE-DF), responsáveis pela realização das votações no exterior. Também fizemos contato com o autor da postagem, mas não houve retorno.
Não há provas no vídeo de roubo de votos
Autor das declarações no vídeo compartilhado, o empresário Michael Lindell não apresenta comprovações do suposto roubo de votos nas eleições brasileiras para presidente, apesar de afirmar que houve fraude. Lindell apenas cita que o presidente Jair Bolsonaro e seu filho Eduardo reivindicaram a impressão em papel de votos para uma auditoria, que teria sido rejeitada pela Justiça.
“Eu sou amigo deles, do filho Eduardo Bolsonaro. O pai dele é presidente lá e eles tentaram colocar papel (…). Você iria apertar um botão e imprimir um papel para que você pudesse fazer uma auditoria, que foi rejeitada pelos juízes corruptos”, diz Lindell em um dos trechos.
A inconstitucionalidade da impressão dos votos já havia sido manifestada pela Justiça, em 2013, conforme mostrou o Comprova em uma verificação de julho deste ano, mas a decisão mais recente foi tomada no Congresso Nacional. Em 10 de agosto de 2021, a Câmara dos Deputados rejeitou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 135/2019, que propunha a impressão de votos das urnas eletrônicas, por 229 votos contra 218, além de uma abstenção.
No vídeo, Michael Lindell afirma que seus “caras cibernéticos” (cyberguys, em inglês) teriam acompanhado as eleições brasileiras para justificar a informação de que votos foram roubados. Ele não explica de que forma essa observação teria sido feita, além de não dizer quem seriam esses supostos funcionários. Contudo, o acesso às urnas eletrônicas pelo meio cibernético, bem como seu monitoramento por vias online, não é possível, uma vez que o equipamento não é vinculado à internet e não pode ser acessado pela rede.
Michael Lindell não é jornalista
Apontado no conteúdo aqui investigado como jornalista, o autor das declarações sobre supostos votos roubados, Michael Lindell é, na verdade, empresário e CEO da empresa My Pillow, de produção de travesseiros, com sede em Minnesota.
Ele é uma personalidade conhecida por ser aliado do ex-presidente Donald Trump e ter questionado o resultado das eleições de 2020 nos Estados Unidos, quando Trump, que concorria à reeleição, perdeu para Joe Biden. Lindell é um dos investigados pela Justiça norte-americana em um caso de violação na votação no estado do Colorado, numa possível tentativa de interferir nos resultados das eleições.
O FBI apreendeu o celular de Lindell em setembro deste ano em decorrência das investigações. De acordo com a CNN Politcs, dos Estados Unidos, as autoridades buscavam evidências dos possíveis crimes ou conspirações de roubo de identidade e dano intencional a um computador protegido, entre o fim de 2020 e início de 2021. Lindell entrou na Justiça na tentativa de recuperar o celular, afirmando que houve ilegalidades no procedimento, mas teve o pedido rejeitado pelo juiz federal Eric Tostrud, em 3 de novembro.
Lindell também está envolvido nas investigações sobre a invasão ao Capitólio, em 6 de janeiro de 2021, por apoiadores de Trump. O empresário já afirmou que não participou do ataque à sessão que confirmava a vitória de Biden, mas admitiu que estava no comício do ex-presidente antes do início do episódio.
Na mesma data, Eduardo Bolsonaro postou uma foto com Michael Lindell, em Washington, como noticiou o jornal O Globo. O comitê especial da Câmara dos Estados Unidos criado para apurar a invasão chegou a mencionar o nome de Eduardo como possível investigado.
Vídeo não foi divulgado na imprensa americana
Diferentemente do que o vídeo viralizado sugere, o conteúdo não foi repercutido pela imprensa. O vídeo foi reproduzido no site Frank: the voice of free speech (a voz do discurso livre, em tradução livre) com o título “At least 5.000.000 votes stolen in the Brazilian election” (ao menos 5.000.000 de votos roubados nas eleições brasileiras), em 2 de novembro.
A plataforma foi lançada pelo próprio Michael Lindell, em abril de 2021, com o objetivo de concorrer com o YouTube e o Twitter, rede social que havia banido permanentemente a conta do empresário por divulgar conteúdos falsos a respeito da última eleição presidencial norte-americana.
Por que investigamos: O Comprova investiga conteúdos suspeitos que viralizam nas redes sociais sobre pandemia, políticas públicas do governo federal e eleições presidenciais. Após uma campanha em que muitos conteúdos falsos e enganosos circularam contra os candidatos, as peças de desinformação ainda são utilizadas como recurso para colocar em dúvida o sistema eleitoral, questionando desde as urnas eletrônicas até a atuação da Justiça. Manifestações nesse sentido, com alegações infundadas, servem apenas para tentar tirar a credibilidade do processo e atingir a democracia.
Outras checagens sobre o tema: A própria Justiça Eleitoral classificou o conteúdo aqui investigado como boato. Além desse episódio, após o resultado do segundo turno, outras peças de desinformação tentaram colocar dúvidas sobre o processo eleitoral. O Comprova mostrou, por exemplo, que era falso pedido de prisão em flagrante para o ministro Alexandre de Moraes, assim como era mentira que jornalista americano havia provado a influência de Biden nas eleições brasileiras e que mulher fazendo o “L” com as mãos era servidora do TSE.
Investigado por: Estado de S.Paulo, A Gazeta e Poder 360; Verificado por: Plural Curitiba, Folha de S.Paulo, Correio Braziliense, NSC Comunicação e Metrópoles