Especial Eleições 2022 – Representatividade feminina ainda é baixa na Câmara
Segundo o IBGE, 51,8% da população brasileira é formada por mulheres; porém, no último domingo (2), 17,7% das pessoas eleitas para a Câmara são do gênero feminino
Levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostra que as mulheres são maioria na população brasileira. No entanto, essa proporção não é refletida na política nacional.
Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) de 2019, a população brasileira é composta por 48,2% de homens e 51,8% de mulheres. No último domingo (2), porém, 91 mulheres foram eleitas a deputadas federais. Esse número representa 17,7% do total de 513 parlamentares.
Nesta eleição, foram eleitas 302 mulheres, contra 1.394 homens para a Câmara dos Deputados, Senado, Assembleias Legislativas e governos estaduais.
De acordo com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), 9.794 mulheres se candidataram aos cargos disponíveis, incluindo para posições de suplentes, e 302 foram eleitas –o equivalente a quase 3,1%. Já entre os homens, 19.072 se candidataram e 1.346 foram eleitos– pouco mais de 7%.
O levantamento do TSE também mostra que, ao todo, foram eleitas 39 mulheres pretas, cinco indígenas, 71 pardas e 184 brancas, de acordo com a autodeclaração de cada uma.
Para especialistas, esses dados refletem a desigualdade entre homens e mulheres no Brasil. Mesmo assim, segundo a cientista política Denilde Holzhacker, neste ano a representatividade feminina na Câmara aumentou, passando de 77 para 91 (alta de 18,2%).
Já no Senado, houve queda de 11 para dez senadoras eleitas. Porém, ao analisar o número de mulheres candidatas, foram 34% de mulheres, número que está acima da cota partidária (de 30%).
“Existe um avanço, porém bastante lento. Também percebemos uma diversidade nos perfis. Vemos uma presença forte de candidatas de direita e ainda a eleição de mulheres da comunidade LGBT. Isso traz uma lógica de debates e de agenda muito distinta. Agora é importante não olhar apenas para os números, mas para a representatividade em termos de ações”, pondera a especialista.
Em relação à diferença entre o número de candidaturas e de mulheres eleitas, Denilde explica que os partidos abriram mais espaços empregatórios, porém investiram menos recursos.
As dificuldades de apoio partidário se expressaram em muitos dos partidos. Alguns investiram mais, porém as reclamações foram as mesmas. Os partidos ainda são espaços muito masculinizados e as mulheres enfrentam barreiras para fazer campanhas competitivas que consigam, de fato, reverter essas ações em votos. Então, esse ainda será um dos pontos centrais para que a gente consiga aumentar a representatividade.
Denilde Holzhacker, cientista política
Considerando que a disputa presidencial teve quatro candidatas do gênero feminino, Denilde destaca que as mulheres estão ampliando “paulatinamente” os espaços políticos.
“Essa presença feminina ainda não se espelha nos estados. Tivemos alguns sem nenhuma mulher eleita para deputada, outros tiveram avanços grandes, especialmente em algumas capitais, mas, ainda assim, o cenário político continua sendo dominado por homens. Por isso ainda vamos precisar de algumas medidas como as cotas, mas também ampliar a discussão de como aumentar a atuação das mulheres eleitas”, reiterou Denilde.
Para a cientista política, será preciso acompanhar essa participação das mulheres na política. “Pelo perfil das eleitas, vejo que vamos ter dificuldade de estabelecer uma coesão entre os discursos. As disputas polarizadas que vamos acompanhar no congresso também vão repercutir nas articulações e nos embates entre as mulheres dentro do parlamento. Tivemos um avanço, sim, mas ainda é preciso alinhar agendas e discussões para se ter ações mais efetivas”.
90 anos da primeira legislação
Para a advogada de fundadora do Me Too Brasil, Marina Ganzarolli, “tivemos avanços em relação a outros anos, mas é importante lembrar que ainda estamos muito distantes de uma eventual necessidade real de paridade de gênero no congresso.”
Ela destaca que está se completando 90 anos da primeira legislação que permitiu que parte das mulheres votassem e fossem votadas, em 1932, desde que fossem casadas e tivessem permissão do marido e que fossem mulheres solteiras com renda própria.
“Não eram todas as mulheres que podiam votar. A grande maioria eram mulheres brancas, que tiveram oportunidade de ser inseridas no mercado de trabalho, então já era uma pequena parcela das mulheres. Isso foi ampliado em 1934, mas passa a ser absolutamente universal, só em 1985. Ou seja, tivemos avanços, mas muito lentos.”
Marina ressalta também que, para além dos números, outro importante avanço foi em relação aos discursos. “Nunca antes o debate sobre a participação das mulheres foi tão destacado e de fato endereçado pelos candidatos à Presidência como foi nessas eleições. Acho que esse é um avanço importante, apesar de vir tardiamente.”
Apesar dos pequenos avanços, Marina destaca que as mulheres ainda sofrem violências nos espaços políticos, sejam em formas mais sutis, como o silenciamento e o desdém, ou as mais graves, como assédios e agressões físicas.
“O machismo continua sendo estrutural e estruturante. Um exemplo é o banheiro feminino no plenário do Senado, que só foi construído em 2016. Isso prova que temos muito a superar e é importante lembrar que essa maior voz não significa diretamente a ampliação dos direitos.”