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      José Eduardo Martins Cardozo - advogado e ex-ministro da Justiça

      José Eduardo Martins Cardozo é advogado e professor de direito da PUC-SP, UNiCEUB/DF e ESPM/SP.

      Cardozo foi ministro da Justiça e advogado Geral da União durante o governo de Dilma Roussef. Também foi secretário municipal de Governo na gestão da prefeita Luiza Erundina.

      Na política desde 1989, foi vereador e presidente da Câmara Municipal de São Paulo. E mais tarde eleito deputado federal pelo estado.

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    A crise dos Poderes do Estado

    É errado estudar as árvores sem observar que muitas delas vivem em florestas. É um erro equivalente supor que a crise entre Poderes seja apenas brasileira. Se passou a ser explosiva no Brasil, isso não altera o fato de que ela ultrapassa as nossas fronteiras.

    O Estado de Direito substituiu o Estado Absoluto que, outorgando poderes quase que ilimitados aos reis, foi um modelo de transição entre o feudalismo e o capitalismo. Pensado e institucionalizado para servir à ordem capitalista, ele deve a sua denominação aos alemães do século XIX (Rechtsstaat) e tem no império da lei e na separação dos poderes dois dos seus principais pilares. A tese de Montesquieu de que o abuso de poder seria evitável se as funções de fazer leis, de executá-las e de julgar não fossem realizadas pelas mesmas pessoas, foi por ele incorporada. Em um Rechtsstat a lei deve ser democraticamente produzida por estruturas estatais orgânicas independentes, das quais se espera uma atuação harmônica.

    Só que essa harmonia não é fácil. A busca da hegemonia política de um Poder sobre os demais é uma realidade histórica. Se os filósofos que influenciaram a formulação do Estado de Direito atribuíam aos encarregados de fazer as leis uma proeminência, a verdade é que, na maioria das vezes, ela foi exercida pelo Executivo. Detendo a chave do cofre e o controle das forças armadas, ao conquistar as maiorias parlamentares para governar, esse Poder prevaleceu sobre o Legislativo e o Judiciário. Somente após o fim da Segunda Guerra Mundial que – com a substituição do Estado de Direito Liberal pelo Estado de Direito Social e a criação de Cortes Constitucionais que fazem a revisão jurisdicional das leis (judicial review of legislation) anteriormente já adotada pelos EUA – o Judiciário assumiu de modo mais global essa proeminência.

    Durante os séculos XX e XXI, a prevalência judicial assumiu uma tal proporção que há até quem sustente a existência de uma juristocracia. Posturas ativistas exorbitantes têm feito com que Constituições e leis tenham os seus significados alterados pela vontade de magistrados. Isso propicia um problema de legitimidade para o Estado e reintroduz a pergunta: quem controla os controladores?

    O Brasil tornou-se um grande laboratório da crise do Rechtsstaat. Por vezes, o nosso Judiciário tem sido acusado de decidir sem respeitar o império da lei e de invadir a esfera dos outros Poderes. Outras vezes de silenciar, com obsequiosa subserviência, diante de violações da Constituição, como ocorreu no impeachment de Dilma Rousseff. Há casos ainda em que, paradoxalmente, chamou para si o papel de supremo defensor da ordem democrática, coibido ações tresloucadas, negacionistas, autoritárias e golpistas do nosso chefe do Executivo.

    A neutralidade é impossível no pensamento humano. Cada pessoa terá uma apreciação diferente dessa crise. Só que ninguém sabe onde ela desembocará. Como no passado, alguns querem aniquilar o Rechtsstaat defendendo as ditaduras. Outros acreditam que obstaculizando rompantes golpistas tudo permanecerá como está. Esquecem que a globalização, os avanços tecnológicos e a transformação que estes fenômenos produzem na cultura dos povos exigirão mudanças no exercício do poder político institucionalizado.

    Os que defendem valores humanistas e democráticos, caso reconheçam que o modelo de Estado de Direito incorporou conquistas civilizatórias, a despeito das contradições e das injustiças da ordem capitalista que ele nasceu para servir, precisam desenvolver e defender a implementação de novas fórmulas institucionais. A resposta talvez seja a defesa de um processo de radicalização democrática que possibilite uma participação direta da população nos processos decisórios estatais, com a utilização cidadã de novas tecnologias. Isso precisará contar com um antídoto para as manipulações do pensamento e das fake News que, no mundo da web, exterminam o debate e a pluralidade, gerando ódio e intolerância.

    Afinal, precisamos acreditar na inteligência e na evolução do homo sapiens que, esperamos, permitam a superação dessa crise por uma nova institucionalidade que obste o avanço do autoritarismo e da estupidez.

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