O Dia da Independência e a história que não é contada nos livros
Apagamento de personagens negros, indígenas e de mulheres é resultado do preconceito racial e do machismo existentes até os dias atuais
Todo brasileiro que passou pelos bancos da escola, lembra das aulas de história que contavam sobre o dia 7 de setembro de 1822, quando Dom Pedro I proclamou a Independência do Brasil.
Sim, essa é a história que está nos livros didáticos. Entretanto sabemos que não eram só os portugueses que estavam por aqui, mas também indígenas, negros escravizados e mulheres.
Mas onde estão esses personagens? Por que ninguém fala deles nesse período? Segundo o historiador e professor da Uerj, Álvaro Nascimento, negros, indígenas e mulheres não apareciam porque não eram pessoas importantes para a elite política ligada ao poder do Brasil em Portugal.
Esse é um dos motivos que explica esse apagamento histórico. Nascimento acrescenta que a Independência do Brasil em 1822 foi uma disputa de brancos, colonizadores, que queria recolonizar o país. “Já em 1823, esses personagens começam a aparecer. Tivemos grandes políticos do século 19, o próprio Machado de Assis, que foi o fundador da Academia Brasileira de Letras, Luís Gama, Lima Barreto, e tantos outros.”
Nascimento também lembra de outras pessoas que não eram famosas, mas que, se tornaram importante símbolo de heroísmo da guerra, como foi o caso de Marcílio Dias na guerra do Paraguai.
“A própria Luísa Mahin, mãe de Luís Gama, que hoje é um dos nomes mais importantes, uma das maiores referências na história, no direito no Brasil, na advocacia no Brasil. A mãe dele é uma das fundadoras que lá estavam.”
Durante a história, vários negros e negras participaram da construção do País, não somente com lutas e guerras, mas deixando um importante legado de amor e valores culturais fundamentais para a formação do Brasil. Essas mulheres, indígenas e negros, são muito pouco lembrados ou totalmente apagados na história do País.
É o que comprova a estudante Giovana Cecília da Silva, de 17 anos, ao afirmar que, na opinião dela, justamente esses personagens são os que fazem falta no relato que é contado na escola.
“A gente cresce tendo uma visão do livro de história de que a Independência foi o Imperador, naquela pressa. A gente não vê que tiveram outras pessoas envolvidas. Por isso é tão importante ressignificar essa história e trazer à tona pessoas que representaram muito e que ainda representam, porque eu acho que a partir disso a gente pode entender porque essas pessoas eram desacreditadas. Não ouvimos nada sobre a luta dos pretos, das mulheres e dos indígenas”, reflete Giovana.
Ela avalia que aprender sobre essas personalidades é importante porque foram elas que deram os primeiros passos para que chegássemos onde estamos hoje. “Se hoje podemos falar dessas pautas e lutar pelas minorias é porque eles começaram lá atrás.”
Para a historiadora Lilia Schwarcz, a história do Brasil é profundamente masculina e não dá às mulheres o protagonismo que elas de fato tiveram.
“As poucas mulheres que nós conhecemos na história foram filhas de homens importantes, como a Princesa Isabel, filha de Dom Pedro II. Essa é uma questão muito importante que a gente precisa alterar na nossa compreensão, no nosso imaginário do Independência.”
Lilian lembra também de Maria Leopoldina, esposa de Dom Pedro, que sempre foi uma voz ativa no sentido de pressionar Dom Pedro pra que ele patrocinasse o rompimento com a metrópole portuguesa. “Ela era uma naturalista, era sábia, falava várias línguas. Antes de vir ao Brasil estudou o que era o Brasil, veio com uma missão científica. Então ela era uma artífice fundamental para a Independência.”
Ainda nesse cenário existiram outras mulheres importantes como a Maria Quitéria, que quis participar das lutas de Independência. Nos retratos, ela sempre aparece vestida de soldado. “Ela se disfarçou de homem para poder tomar parte nas lutas de Independência”, conta a historiadora.
Há também a história da Maria Felipa, uma escravizada que conseguiu reter as tropas portuguesas utilizando ervas e plantas que irritavam a pele dos portugueses, e Joana Angélica, uma religiosa que não permitiu que os portugueses entrassem no convento onde ela participava.
“Esses são apenas alguns exemplos de mulheres que fizeram a Independência e são exemplos de como as gerações futuras e as gerações presentes precisam estudar muito mais o lugar das mulheres nos processos políticos brasileiros”, enfatiza Lilia.
Para especialistas no tema, essa história precisa ser recontada como realmente aconteceu. “É fundamental que nós, enquanto professores e professoras negros universitários, continuemos entrando nas universidades, desenvolvendo e pesquisando a história do Brasil, do povo negro, assim também como do povo indígena e da mulher, porque se não parece que é só uma história feita por pessoas brancas, herdeiras, de todo um legado europeu. O Brasil não é somente isso, o Brasil da Independência é uma transformação incrível. Se não tivessem negros e indígenas na construção dessa história, esse Brasil não seria o que ele é hoje”.