O que o tarifaço de Trump revela sobre sua visão internacional
Presidente dos Estados Unidos confronta aliados históricos e rivais estratégicos em taxação
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A recente onda de tarifas impostas pela administração Trump não é apenas mais um capítulo na história do protecionismo dos Estados Unidos, mas reflexo de uma nova lógica que merece nossa atenção, já que rompe radicalmente com décadas de política externa do país.
No centro desta nova orientação está uma visão estritamente transacional das relações internacionais.
Trump demonstra notável disposição para reduzir relações diplomáticas complexas aos resultados da balança comercial, nos quais déficits setoriais ou mesmo em produtos específicos podem desencadear respostas retaliatórias imediatas.
Esta abordagem “contábil” da política global representa uma mudança significativa em relação ao empenho dos EUA de construir alianças baseadas em valores e interesses estratégicos compartilhados.
Não é desprezível que testemunhemos a disposição de Washington em confrontar simultaneamente aliados históricos e rivais estratégicos.
A União Europeia, parceira crucial nas últimas sete décadas, encontra-se hoje sob a mesma pressão tarifária que a China.
Outro aspecto revelador é a preferência marcante de Trump por negociações bilaterais em detrimento de acordos multilaterais.
Esta predileção não é acidental, mas reflexo de uma visão de mundo em que cada negociação é interpretada como um jogo de soma zero.
Na perspectiva trumpista, não existem acordos em que todos ganham – sempre deve haver um vencedor e um perdedor, e os Estados Unidos devem ocupar invariavelmente a primeira posição.
Por fim, talvez o elemento mais sofisticado desta abordagem, seja o uso sistemático do “issue linkage” como ferramenta de negociação.
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A administração demonstra interesse e habilidade em entrelaçar questões comerciais com demandas em outras áreas, seja pressionando aliados europeus a aumentar seus gastos com defesa na OTAN por meio de ameaças tarifárias, ou utilizando acordos comerciais como moeda de troca em questões tecnológicas ou de segurança.
Esta nova arquitetura de política externa representa uma transformação fundamental na maneira como os EUA se relacionam com o mundo.
Ao priorizar ganhos imediatos e mensuráveis sobre alianças de longo prazo, o presidente não apenas reescreve o manual da diplomacia norte-americana, mas também sinaliza uma nova era nas relações internacionais por si só, na qual o pragmatismo comercial sobrepõe-se a considerações geopolíticas tradicionais.
O desafio que se coloca agora não é apenas compreender esta nova lógica, mas antecipar suas implicações para a ordem global.
Em um momento em que laços históricos e valores compartilhados perdem espaço para arranjos convenientes de curto prazo, a estabilidade do sistema internacional pode estar em jogo.