América Latina sob Trump: entre a Diplomacia e a Política de Confronto?
A nova posição de força doméstica e uma equipe escolhida primordialmente pela lealdade ao Republicano sugerem que o espaço para moderação será menor no novo governo
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Os primeiros dez dias do segundo mandato de Donald Trump já deixaram clara uma mensagem para a América Latina: a retórica assertiva e as ações unilaterais estão de volta, agora com força ainda maior. Respaldado por uma vitória eleitoral expressiva e com maioria republicana nas duas casas do Congresso, Trump parece disposto a exercer uma política externa regional mais agressiva que em seu primeiro mandato.
A sequência de crises diplomáticas abertas neste breve período é reveladora. Com o México, a tensão escalou após Trump ameaçar fechar completamente a fronteira em resposta ao que chamou de “invasão migratória”. Com o Panamá, o conflito emergiu depois que Trump sugeriu publicamente uma “revisão” do tratado do Canal, alegando termos “desfavoráveis” aos Estados Unidos. Na Colômbia, a crise foi desencadeada por críticas do presidente Gustavo Petro ao tratamento dado aos deportados colombianos que chegavam ao país, seguida por ameaças de uma guerra comercial, com direito a bravatas sobre imposição de tarifas. Em relação ao Brasil, a mensagem de Trump foi direta e desdenhosa: “eles precisam de nós, nós não precisamos deles”.
Este cenário de confrontos sucessivos, no entanto, contrasta com sinais contraditórios vindos de diferentes alas do governo norte-americano sobre qual será efetivamente a política para a região. De um lado, Mauricio Claver-Carone, enviado de Trump para assuntos hemisféricos e ex-presidente do BID, defende uma “diplomacia da prosperidade”, argumentando que os Estados Unidos precisam de uma agenda positiva de investimentos e abertura comercial para conter a crescente influência chinesa na região. De outro, figuras como Marco Rubio defendem uma linha mais dura, especialmente em relação à Venezuela, que ele descreve como uma “ameaça à segurança nacional americana”.
Por ora, a agenda regional parece estruturada em torno de três eixos principais: 1) contenção da imigração ilegal; 2) combate ao narcotráfico e; 3) contenção da influência chinesa. O desafio está em como equilibrar estes objetivos muitas vezes conflitantes. O caso venezuelano é emblemático: ao mesmo tempo em que o regime de Maduro é visto como uma ameaça regional, o país representa a segunda maior nacionalidade no fluxo migratório para a fronteira sul dos Estados Unidos, e há substanciais interesses norte-americanos na exploração de petróleo nesse país.
A grande questão, portanto, é se prevalecerá a visão pragmática-positiva defendida por Claver-Carone, que vê na prosperidade regional um antídoto à expansão chinesa, ou se dominará a abordagem confrontacionista que Trump tem demonstrado em seus primeiros dias. A resposta provavelmente estará menos na coerência estratégica e mais no cálculo político doméstico do momento – especialmente considerando que temas como imigração e segurança na fronteira sul continuam sendo centrais para a base eleitoral trumpista.
Para os países da região, o cenário exige cautela e sobriedade. A retórica beligerante de Trump não necessariamente se traduzirá em política concreta, como já vimos em seu primeiro mandato. No entanto, é um erro acreditar que Trump 2 é uma continuidade pura e simples de Trump 1. A nova posição de força doméstica e uma equipe escolhida primordialmente pela lealdade sugerem que o espaço para moderação será menor. O desafio para os líderes latino-americanos será navegar entre a necessidade de manter relações estáveis com Washington e a importância de preservar autonomia em suas decisões estratégicas – especialmente em relação à China, que se tornou parceira econômica fundamental para vários países da região, e que certamente será uma “carta” a ser sacada do bolso em diferentes ocasiões.