Análise: A três dias do 8/1, prêmio de Fernanda Torres traz reflexão sobre o Brasil que não queremos nunca mais
Atriz brasileira levou o Globo de Ouro pela atuação em “Ainda Estou Aqui”
Ver Angelina Jolie e Nicole Kidman desbancadas em uma das maiores premiações do cinema global por uma brasileira é um marco histórico da nossa cultura e da nossa produção audiovisual.
Mas pra além disso, há um simbolismo profundo de que o Globo de Ouro de melhor atriz em drama tenha vindo três dias antes do dia 8 de janeiro, data que virou sinônimo de ataque à democracia brasileira.
A resiliência de Eunice Paiva, esposa de Rubens Paiva, interpretada por Fernanda, atravessou fronteiras e quebrou paradigmas sob a direção de Walter Salles, o mesmo responsável por levar o Brasil ao ponto mais próximo do Oscar até hoje, com Central do Brasil 26 anos atrás.
A história contada por Salles e interpretada por Fernanda e Selton Mello, mostra como a ditadura brasileira despedaçou famílias, pra muito além da censura, da opressão e da supressão do direito de escolha.
É impossível assistir ao filme e sentir alguma nostalgia da ditadura militar brasileira, que dizimou sonhos e impôs ao país um período sombrio que fica escancarado na cena em que Rubens Paiva, marido de Eunice, é levado de casa pra não voltar. Esse é, definitivamente, o Brasil que não queremos nunca mais.
Ao invadirem a sede dos Três Poderes em 8 de janeiro de 2023, homens e mulheres colocaram em risco o Brasil democrático. Hospedados em barracas nos quintais de quartéis militares, relembravam o regime que interrompeu o direito de escolher.
As imperfeições da democracia brasileira nada se comparam ao terror da ditadura. E “Ainda Estou Aqui” ajuda a lembrar como o país respirava medo sob o regime militar.
Sensação que parece ter sido esquecida – ou minimizada – por aqueles que ajudaram a sustentar os atos de 8 de janeiro ou que depois, segundo a Polícia Federal, armaram uma tramoia que sustentaria um novo golpe militar.
O prêmio de Fernanda Torres vinga sua mãe, Fernanda Montenegro, também indicada ao prêmio de Melhor Atriz em Drama, no Globo de Ouro de 1999, mas derrotada, assim como no Oscar. Mãe e filha atuam juntas em Ainda Estou Aqui, interpretando Eunice Paiva em diferentes momentos.
A trajetória de popularização do filme “Ainda Estou Aqui” acontece paralelamente ao avanço das investigações e operações da Polícia Federal para desvendar uma suposta trama golpista que teria o objetivo de instaurar um gabinete militar no comando do Brasil.
O paralelismo entre os dois movimentos fez com que perfis apócrifos de direita pregassem boicote ao longa-metragem. O movimento não foi sustentado por figuras relevantes do bolsonarismo, que, porém, também não exaltaram o filme.
A expectativa agora é para as indicações do Oscar, que serão reveladas no próximo dia 17 de janeiro.
“Ainda Estou Aqui” pode ser indicado a Melhor Filme Estrangeiro e Fernanda Torres ao prêmio de Melhor Atriz. A conjuntura, no entanto, faz com que os críticos vejam desafios maiores para o Brasil conquistar a estatueta mais importante de Hollywood.