Perto de Damasco, rebeldes sírios ameaçam derrubar Assad e aceleram fuga de civis
Rebeldes declararam ter assumido o controle total de Daraa, cidade símbolo da Primavera Árabe, a revolta que eclodiu em 2011 contra o regime de Bashar al-Assad
Rebeldes sírios estão avançando em várias frentes, colocando em xeque o regime de Bashar al-Assad em uma ofensiva relâmpago que reacendeu a guerra civil.
Combates violentos foram registrados pela CNN no norte, sul e leste do país, com as forças de oposição se aproximando da capital Damasco.
Autoridades do governo Joe Biden projetam que o regime Assad possa cair em poucos dias, disseram cinco autoridades dos EUA à CNN.
Dezenas de moradores começaram a fugir do sofisticado bairro de Mezzeh, perto da capital síria, enquanto as forças rebeldes ganhavam por meio de áreas controladas pelo regime.
Em Daraa, no sul, os rebeldes declararam controle total da cidade, um marco simbólico na revolta contra Assad, que começou em 2011.
“Tomamos Daraa e estamos consolidando nossa posição nos bairros e prédios governamentais”, informou o grupo Southern Operations Room ainda na sexta-feira (6).
A cidade de Daraa foi o berço da revolta síria durante a Primavera Árabe, em março de 2011, e sua captura pelos rebeldes destaca a fragilidade das forças governamentais em áreas tradicionalmente controladas pelo regime.
No norte, o grupo rebelde Hayat Tahrir al-Sham (HTS) lidera uma ofensiva devastadora. Após tomar a cidade de Aleppo em apenas três dias e Hama em oito, os insurgentes agora ameaçam Homs, a cerca de 160 quilômetros ao norte de Damasco.
Os rebeldes afirmam que chegaram às muralhas de Homs e já tomaram o controle de vilarejos próximos.
Vídeos geolocalizados pela CNN mostram colunas de combatentes marchando na principal rodovia M5, uma artéria estratégica que conecta o norte ao sul do país.
A ofensiva rebelde busca cortar o território controlado pelo regime em duas partes, enfraquecendo ainda mais a já desgastada força militar de Assad.
O presidente sírio permanece em local desconhecido, apurou a CNN. De acordo com a agência estatal síria, o presidente realiza atividades normais enquanto o Exército tenta reorganizar sua defesa.
Autoridades iranianas negaram, neste sábado (7), que Assad tenha deixado a Síria, disse uma fonte à CNN.
“A notícia de que Assad e sua família deixaram a Síria não é verdadeira”, disse Yaqoub Rezazadeh, membro dos Comitês de Segurança Nacional e Política Externa do Parlamento iraniano neste sábado, de acordo com a TV estatal iraniana.
A Guarda Presidencial de Assad não estaria alocada no local habitual de sempre, disse outra fonte à CNN. Já um conselheiro do líder supremo do Irã, aiatolá Ali Khamenei, se reuniu com Assad em Damasco na sexta-feira, segundo a Press TV.
O regime sírio afirma que os rebeldes estão espalhando “falsas notícias” para desestabilizar o país. “As plataformas de mídia afiliadas aos terroristas não pararam de espalhar vídeos enganosos e notícias falsas sobre os eventos que ocorrem nos territórios sírios”, disse um general do governo sírio.
Fuga e mais de 300 mil civis mortos
A aproximação dos insurgentes provocou fuga em massa de civis de Homs e arredores. Relatos mostram congestionamentos nas saídas da cidade, com centenas de veículos tentando escapar antes da chegada dos combates.
A guerra civil síria começou há 13 anos e já deixou mais de 300 mil civis mortos e milhões de deslocados. Após anos de confronto direto, o conflito havia diminuído de intensidade desde um cessar-fogo em 2020, mas os recentes avanços rebeldes reverteram essa tendência.
A coalizão rebelde é composta por diferentes grupos, incluindo o HTS no norte e milícias locais no sul. Embora operem separadamente, compartilham o objetivo de derrubar o regime de Assad e criar um novo governo.
No leste, combatentes curdos expressaram preocupação com o avanço rebelde. Após conquistarem autonomia no nordeste durante anos de conflito, os curdos temem que a nova onda de violência atinja seu território.
A resposta do governo de Assad tem sido limitada. Tropas governamentais foram deslocadas para tentar conter o avanço em Homs, mas há relatos de deserções, com cerca de dois mil soldados cruzando a fronteira para buscar refúgio no Iraque.
Em Bagdá, ministros das Relações Exteriores do Irã, Iraque e Síria discutiram a crise, alertando que o avanço dos rebeldes representa uma ameaça à estabilidade regional. Eles classificaram os insurgentes como “terroristas” e pediram ação coordenada contra eles.
Israel, que acompanha de perto os desdobramentos na Síria, anunciou um estado de prontidão para proteger suas fronteiras e interesses na região. A movimentação rebelde no sul, próxima às Colinas de Golã, elevou a tensão na área.
Os Estados Unidos, por sua vez, pediram que seus cidadãos deixem a Síria imediatamente, citando a situação de segurança “volátil e imprevisível”. O Departamento de Estado destacou que opções comerciais ainda estão disponíveis em Damasco.
A ofensiva também reacendeu memórias dolorosas de massacres anteriores. Em Hama, cidade capturada pelos rebeldes na última semana, moradores comemoraram o fim do domínio do regime.
A cidade foi palco de um massacre em 1982, ordenado pelo então presidente Hafez al-Assad, pai de Bashar.
Em um raro comunicado público, Abu Mohammad al-Jolani, líder do HTS, afirmou que a coalizão rebelde busca criar um governo baseado em instituições e conselhos escolhidos pelo povo. Ele descreveu o regime de Assad como “morto” e defendeu o direito de lutar até o derrubar.
A rápida ofensiva rebelde tem deixado analistas e observadores surpresos. O avanço relâmpago ocorre em meio a relatos de resistência mínima por parte das forças do regime, que foram pegas despreparadas.
Além dos combates terrestres, a situação humanitária está se deteriorando. Agências da ONU começaram a evacuar suas equipes de Damasco, enquanto o acesso a alimentos e remédios nas áreas de conflito se torna cada vez mais difícil.
No sul, os rebeldes tomaram o controle da passagem de Nassib, na fronteira com a Jordânia, um ponto estratégico na principal rota de comércio da Síria. Vídeos mostram insurgentes marchando pela rodovia, celebrando sua vitória.
O fechamento da fronteira entre a Síria e a Jordânia agrava a crise econômica no país, que já sofre com sanções internacionais e um sistema financeiro em colapso.
No cenário internacional, a Rússia, principal aliada de Assad, está limitada em sua capacidade de apoiar o regime devido ao envolvimento em outras frentes, como a guerra na Ucrânia.
Enquanto isso, a Turquia, que apoia algumas facções rebeldes, observa os desdobramentos com interesse, mas ainda não tomou medidas concretas para influenciar o conflito.
Especialistas apontam que a guerra civil na Síria tem características de um conflito por procuração, envolvendo potências regionais e globais em uma disputa geopolítica que ultrapassa as fronteiras do país.
Com a escalada da violência, a comunidade internacional enfrenta um dilema: como responder a um conflito que já custou tantas vidas e parece longe de terminar?
Os próximos dias serão decisivos. A capacidade do regime de Assad de defender Damasco e conter o avanço rebelde determinará o futuro do conflito e, possivelmente, do próprio governo sírio.
Para os milhões de sírios afetados pela guerra, a esperança de uma resolução parece cada vez mais distante. As marcas do conflito, no entanto, permanecerão por gerações, independentemente do resultado.
*Com informações da Reuters