Análise: desarranjo das contas públicas impacta os que Lula diz defender, os mais pobres
Em meio a uma tentativa de agradar a todos, Lula e Haddad não agradam ninguém. O inapropriado e confuso anúncio de quarta-feira (27) teve o efeito contrário ao que se esperava
Quem tudo quer, nada tem. E o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e seu ministro da Fazenda, Fernando Haddad, têm uma oportunidade de ouro — e muito mais simples do que em outros momentos — para fazer a lição de casa, garantir um cenário de solidez econômica e um ambiente fiscal ajustado.
O governo colhe um crescimento robusto, de cerca de 3% ao ano, em meio a um mercado de trabalho fortificado, com o desemprego em patamares baixos, de 6,2%, e uma ampla chancela global em torno do enceramento de políticas sustentáveis — e consequente atração de investimentos verdes.
Reformas realizadas nos últimos anos, como a trabalhista, a previdenciária e os marcos, como o do gás ou do saneamento, garantem um arcabouço regulatório mais sólido e dá mais segurança jurídica para os investidores.
Há barulho no Congresso Nacional? Há. Mas com pautas que servem como espuma no chope. A inebriada oposição acha que resolverá os problemas do país ou incomodar o governo Lula com pautas-bomba como as sobre aborto e drogas. Assuntos que, se judicializados, não sobrevivem a duas sessões no Supremo Tribunal Federal (STF).
Os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), já informaram em alto e bom som: têm avidez por votar aquilo que representa medidas de altivez fiscal e arranjo das contas públicas. Às favas com populismo fiscal ou matérias de natureza arrecadatória.
O desarranjo das contas públicas mais impacta aqueles que Lula diz defender: os mais pobres. Em meio a uma tentativa de agradar a todos, Lula e Haddad não agradam ninguém. O inapropriado e confuso anúncio de quarta-feira (27) teve o efeito contrário ao que se esperava.
Enquanto tentou-se esconder nas entrelinhas a sinalização de um pacote fiscal crível e que traga credibilidade à atual gestão, Haddad foi instado a apresentar um programa político que, ao fim e a cabo, era considerada uma das medidas mais populares dos últimos anos: a ampliação da faixa isenta do Imposto de Renda (IR).
Justo? Sim. Eficaz? Talvez. A focalização dos programas sociais envolve a principal crítica à proposta de aumentar a faixa de isenção do IR, diferentemente de programas bem-sucedidos como o Bolsa Família.
O governo preferiu um discurso político aos efeitos econômicos que trariam — aí, sim — votos e a altivez econômica de um país que teve seu arcabouço regulatório e ambiente de negócios fortificados nos últimos anos por reformas importantes.
Resultado: dólar ultrapassando os R$ 6; uma pressão na curva de juros e um já contratado aumento na taxa básica de juros, a Selic, de 0,75 ponto percentual — com a busca incessante do Banco Central (BC) de restringir o consumo por meio de um remédio com efeitos colaterais muito nocivos. E novamente aos mais pobres.
Além da desconfiança contratada pelo governo junto aos agentes econômicos de que a gestão fiscal está (e continuará) em segundo plano, o impacto positivo do anúncio mambembe da nova faixa de isenção do IR foi submerso por uma onda de incertezas. E seu potencial de gerar uma agenda positiva, afundado pelo câmbio nas alturas.
Se preza pelos mais pobres e por um ambiente de solidez de credibilidade, o governo tem uma tarefa fácil — e terá o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal a seu lado para fazer modificações robustas. Essas, sim, urgentes e caras ao país.
A primeira medida envolve comunicação. Uma mudança passa por uma publicidade mais eficiente do pente-fino patrocinado por Simone Tebet, ministra do Planejamento e Orçamento, de benefícios previdenciários e trabalhistas.
O Brasil enfrenta há décadas problemas relacionados à rigidez orçamentária, como vinculações constitucionais e despesas obrigatórias — as despesas discricionárias, incluindo a reserva para emendas parlamentares, somam apenas R$ 225,8 bilhões, ou seja, pouco mais de 11% do total.
Para tentar amenizar o problema, governo enviará ao Congresso Nacional uma proposta de prorrogar a Desvinculação das Receitas da União (DRU) até 2032. A medida autoriza a União a realocar em outras áreas até 20% das receitas “carimbadas” para saúde, educação e a Previdência.
Uma análise mais profunda, porém, a respeito da flexibilização do Orçamento público faz-se necessária.
Urge a retirada de Esther Dweck, ministra da Gestão, das sombras com suas políticas de revisão dos gastos com pessoal e da alta esfera da máquina pública — em linha com o combate dos supersalários anunciada por Fernando Haddad — e a estipulação de critérios sólidos para a análise de desempenho de funcionários públicos.
Como mostram o ex-presidente do Banco Central Arminio Fraga, a economista Ana Carla Abrão, e o jurista Carlos Ari Sundfeld, os gastos do com salários e previdência dos servidores chegam a quase 15% do Produto Interno Bruto (PIB)
Em artigo publicado no jornal Folha de S.Paulo, o trio afirma que a quantidade de planos e carreiras da Administração Federal cresceu 319% entre 1970 e 2019, segundo dados do Ministério da Economia em 2020.
Outra matéria caríssima que garantiria um ganho de eficiência significativo envolve a revisão a lupa da efetividade de cada um dos benefícios fiscais garantidos pela União.
Esses são classificados como “gastos tributários” pelo próprio ministro Haddad. Segundo o próprio governo, o volume de renúncias fiscais e de benefícios tributários concedidos pelo governo federal atingiu R$ 646 bilhões em 2023.
O governo Lula tem em mãos as condições ideais para construir uma gestão fiscal responsável e sólida, mas escolheu priorizar agendas que, embora possam parecer populares, são ineficazes para atacar os reais problemas econômicos do país. Ainda há tempo para mudar.