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    BC endurece tom e cenário exige redução de gastos para queda dos juros, dizem analistas

    Consenso entre economistas ouvidos pela CNN é que ciclo de alta da Selic não deve perdurar e sinaliza movimento pela credibilidade do Copom

    João Nakamurada CNN , em Sâo Paulo

    O Banco Central (BC) adotou uma postura mais dura em relação ao cenário econômico do país em sua decisão de política monetária desta quarta-feira (18).

    O comunicado do Comitê de Política Monetária (Copom) foi visto num tom mais hawkish pelos economistas ouvidos pela CNN, ou seja, mais firme em relação à condução dos juros.

    Por unanimidade, os diretores que compõe a mesa do Copom votaram por elevar a Selic, a taxa básica de juros do país, em 0,25 ponto percentual, a 10,75% ao ano.

    Essa é a primeira alta observada desde agosto de 2022, quando a taxa chegou em 13,75%.

    Entre os pontos de atenção notados estão a “assimetria altista” e “a reavaliação do hiato para o campo positivo” destacados pelo BC.

    Traduzindo do “economês”, isso significa que há uma série de pressões que tendem a fazer a alta dos preços piorar, sendo uma delas uma força por parte da economia, que está acelerando rápido demais.

    “Vemos dólar mais forte, crise climática que impacta o preço dos alimentos e energia, além de um PIB muito forte, acima do potencial. Nosso crescimento de PIB potencial é aproximadamente 2% ao ano, e estimamos crescimento de 3% em 2024”, explica Beto Saadia, diretor de investimento da Nomos.

    “O comunicado reconheceu algo importante que é o hiato do produto positivo, ou seja, esse crescimento forte que vem junto com mais inflação”, conclui.

    Entre as pressões inflacionárias destacadas pelo comunicado do Copom, estão a desancoragem das expectativas de inflação, a maior resiliência da alta dos preços de serviços e políticas econômicas, tanto internas quanto externas.

    Além disso, a diretoria do BC reforça que a atividade econômica e o mercado de trabalho do Brasil seguem mais aquecidos do que o esperado, tendendo a movimentar a inflação junto da economia.

    “Esse dinamismo, em um contexto de inflação já pressionado, tem sido um dos principais fatores que levam o Banco Central a manter uma postura mais rígida, principalmente devido à inflação de serviços, impactada pela massa salarial recorde”, aponta Guilherme Jung, economista da Alta Vista Research.

    “Um pé na política fiscal”

    Entre as principais pressões que elevam o risco no Brasil e as perspectivas de inflação, está a questão fiscal.

    O governo tem gastado mais do que tem arrecadado nos últimos meses, e a tendência, até alguns ajustes recentes, era de que o buraco seguisse aumentando.

    Isso somado a mudança da meta fiscal do ano que vem, dando mais espaço para gastos, feriu a imagem de responsabilidade do Executivo. E quando há um temor de risco maior, a inflação acompanha.

    “Não dá para o Brasil ficar apenas com o pé na política monetária sem que a política fiscal seja contemplada também”, aponta Paloma Lopes, economista da Valor Investimentos.

    Ao citar que “monitora com atenção como os desenvolvimentos recentes da política fiscal impactam a política monetária e os ativos financeiros”, o Copom reconhece a importância desse assunto para o otimismo com o país no futuro e a condução da política monetária, aponta Felipe Uchida, head do departamento de análises quantitativas e sócio da Equus Capital.

    “Além disso, [o Comitê] alerta que uma depreciação prolongada do câmbio pode gerar pressões inflacionárias, reforçando a importância de uma política fiscal consistente para ancorar as expectativas de inflação e facilitar a condução da política monetária”, conclui Uchida.

    Mas, desse modo, também se destaca que o Copom possa estar agindo mais pela pressão do mercado do que pelos dados apontados em si.

    Credibilidade do colegiado

    Em entrevista à CNN, a economista-chefe do Inter, Rafaela Vitoria, ressalta que o BC agiu de forma “preventiva”.

    “O Banco Central optou por subir ainda mais [a Selic] considerando o cenário de aversão ao risco e maior desconfiança do mercado”, avalia Vitoria.

    No caso, o movimento do Copom teria principalmente a intenção de conter as expectativas de inflação, sendo esse o impacto mais imediato apontado pela economista-chefe do Inter.

    Desse modo, o colegiado estaria reiterando seu compromisso com a meta de inflação, segundo Paulo Gala, economista-chefe do Banco Master e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV).

    “Se o Copom não tivesse feito nada, teria rasgado sua meta de inflação. Agora ele falou que é para valer e que vai agir”, aponta Gala.

    Em suas últimas reuniões, a falta de um direcionamento futuro — o chamado forward guidance — por parte do Copom afetava sua imagem perante o mercado. Além disso, vinha crescendo o temor sobre o próximo ano da diretoria em si.

    Apesar dos outros pesos apontados na balança da inflação, Helena Veronese, economista-chefe da B.Side Investimentos, afirma que “a decisão de hoje se justifica mais pelo cenário de transição em que o BC se encontra, do que pelos dados em si”.

    A questão trazida por Veronese é a passagem do bastão da autarquia de Roberto Campos Neto para o diretor de Política Monetária, Gabriel Galípolo.

    Muito se especulava no mercado que pela proximidade do diretor com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, a autonomia e o compromisso da autarquia poderiam ser comprometidos.

    Mas um dos que mais sinalizou a possibilidade de os juros subirem nesta reunião foi o próprio Galípolo.

    “Numa tentativa de ampliar sua credibilidade, o diretor Galípolo foi muito duro, mais até do que o próprio Roberto Campos Neto. Sendo duro como foi, o recado para o mercado é que iria ter alta”, explica Luiz Fernando Figueiredo, presidente do conselho da JiveMauá e ex-diretor de Política Monetária do BC.

    Figueiredo apontava ser contrário a uma alta dos juros neste momento, mas que após as recentes sinalizações dos diretores do Copom, não seguir essa direção seria contraproducente para a imagem do colegiado.

    “As projeções estão mais baixas do que estavam na última reunião, então não vejo razão para mudar [a Selic] olhando para inflação”, ressalta.

    “Existe, sim, uma atividade econômica muito forte, e se ela não esfriar teremos mais inflação. Ainda acho que deveríamos esperar, mas não é o que o Banco Central sinalizou”, aponta Figueiredo.

    O ex-BC ainda pontua o efeito da piora das perspectivas para a inflação medida pelo mercado financeiro. O relatório Focus desta segunda-feira (16) mostrou que os analistas passaram a ver a Selic em 4,35% ao fim de 2024 — a nona semana seguida de aumento das expectativas. Para o ano que vem, a previsão é de 3,95%.

    O BC persegue meta de 3%, com margem de tolerância de 1,5 ponto para cima ou para baixo.

    “As expectativas dos agentes são muito relevantes para determinar os fenômenos para frente, como inflação, crescimento econômico. Se as pessoas estão desanimadas, pouco confiantes, a atividade para”, explica Figueiredo.

    Perspectiva

    Apesar de novamente ter deixado o guidance em aberto, Saadia, da Nomos, aponta que, dessa vez, a atitude não deve provocar uma percepção no mercado de que o Copom está sendo leniente, já que o tom do comunicado foi rigoroso.

    “As incertezas são grande daqui para frente e temos alguns motivos que podem ajudar a inflação, como menor preço de commodities, taxa de juros menor nos EUA e menos impulso fiscal com os contingenciamentos do governo”, avalia o diretor de investimentos.

    O Comitê indicou que o ritmo e a magnitude dos ajustes futuros na taxa de juros dependerão da evolução da inflação, especialmente dos componentes mais sensíveis à atividade econômica e à política monetária, como as expectativas do mercado.

    “O Copom dá ênfase às expectativas, e deixa em aberto a magnitude e quantidade de altas a depender dessa evolução”, explica Vitoria, do Inter.

    Uchida, da Equus Capital, complementa que “esse tipo de guidance sugere cautela nas próximas decisões e flexibilidade para ajustar a política conforme as condições econômicas evoluam”.

    Luiz Fernando Figueiredo aponta que esse movimento é importante para que o BC possa colher mais informações e ter uma “fotografia” maior para frente.

    Mas o BC também traz em seu comunicado destaques positivos para conter a inflação, como a possibilidade de uma desaceleração global mais forte e um efeito maior do aperto financeiro que também vinha sendo praticado no exterior.

    Outra coisa que favorece o cenário no Brasil é o corte dos juros pelo Federal Reserve nos Estados Unidos. O banco central norte-americano derrubou seus juros em 0,5 ponto, levando a banda de 4,75% a 5% ao ano.

    O diferencial de juros dá mais fôlego para o Brasil e torna o país mais atrativo para o investidor estrangeiro, o que por sua vez, pode ajudar a valorizar o real.

    Desse modo, há um consenso entre os economistas ouvidos pela CNN: o ciclo de alta não deve ser tão duro e tão longo como foi o anterior.

    “A decisão do Fed ajuda muito o Brasil, aprecia a moeda brasileira. Assim, a vida do Banco Central fica mais fácil. O cenário é favorável para que se tenha um ciclo pequeno de altas, levando a Selic a 12% no máximo, o que deve levar a inflação bem próximo da meta em 2026”, aponta Paulo Gala.

    “É melhor ter esse mínimo ciclo agora, para moderar e estancar a inflação, do que ter que fazer um choque de juros lá para frente”, conclui.

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